Tiro nos pés, cabeça, tronco e membros

 Muitos antes de tornar-se presidente da República, quando ainda era membro do baixo clero do Congresso Nacional, perguntaram a Jair Bolsonaro, no programa Câmara Aberta, se ele fecharia o Congresso Nacional, caso fosse eleito, um dia, no futuro distante, presidente do Brasil. A resposta veio rápida: “Não há [a] menor dúvida, daria golpe no mesmo dia! Não funciona! E tenho certeza de que pelo menos 90% da população ia fazer festa, ia bater palma, porque não funciona”.

Em outra ocasião, em discurso no plenário da Câmara dos Deputados, ele se saiu com esta reflexão filosófica: “Sou a favor sim de uma ditadura, de um regime de exceção, desde que esse Congresso Nacional dê mais um passo rumo ao abismo, que no meu entender está muito próximo”.

A referência a ditadura, me traz à lembrança a avaliação, por ele feita, sobre o pau-de-arara, instrumento de tortura, usado fartamente pelas polícias civis de todo o país e por forças de repressão a movimentos políticos legítimos, em regimes ditatoriais, e produto da engenhosidade nacional: “Ele merecia isso: pau-de-arara. Funciona. Eu sou favorável à tortura. Tu sabe disso. E o povo é favorável a isso também”. Bolsonaro se referia a Chico Lopes, ex-presidente do Banco Central. Sempre o Banco Central! Deve ser trauma de infância. Quem sabe, garotinho ainda, mas com a ferocidade de sempre, foi pedir uns trocados ao pai. Em resposta foi colocado no pau-de-arara, para não repetir o pedido.

Críticas às instituições da República são corriqueiras em países democráticos e servem ao propósito do aperfeiçoamento ordenamento jurídico das sociedades. Quando o ex-presidente assumiu o mandato, no entanto, as críticas assumiram natureza criminosa. Passaram a ter, abertamente, a função de tentativas de desmoralização, preferencialmente, do Supremo Tribunal Federal e seus ministros. Eram insinuações de descumprir decisões do Tribunal, mas não teve a coragem de fazê-lo, chegando, até, ao lançamento, por milícias bolsonaristas, de fogos de artifício sobre o prédio do Tribunal. Ouviam-se diariamente insultos aos ministros, em especial, a Alexandre de Moraes, e acusações sem fundamento algum e tudo mais de ruim imaginável. Lembram-se do famoso grito “acabou”? Ele jurou nesse dia não mais cumprir decisões do Supremo. Queria cumprir tão só decisões dele mesmo. Nessa situação, configurou-se uma situação jamais vista no Brasil, a recusa do presidente da República em cumprir decisões do Poder com a missão institucional de emiti-las.

O próprio regime militar de 1964 concentrou-se em expurgar o STF de alguns de seus ministros. Quando alguma decisão era claramente a favor do regime militar, havia o entendimento dos cidadãos de a decisão ter sido daquela forma apenas porque os juízes verdadeiros haviam sido tirados da Corte. Poupava-se a instituição STF. Sabia-se que, passado o período de trevas, o Tribunal voltaria a sua missão civilizadora, como de fato se deu.

Há um grande problema com Bolsonaro e não é apenas sua completa ignorância sobre a administração pública, conjugada com sua conhecida inapetência para o trabalho. Não se tem notícia de ter o ex-presidente despachado tão somente por um dia com o ministro da Educação, a fim de discutir, sei lá, os rumos que o Poder Executivo queria dar ao sistema educacional do país. Ou com o ministro da Saúde, com o fim se informar sobre o caos do setor e tomar medidas adequadas ao bom atendimento dos seus usuários. Ele preferia andar de jetski, rodeado dos áulicos de sempre, em motocicletas potentes pelas avenidas de Brasília. Seus despachos serviam somente ao planejamento do golpe de Estado frustrado mais tarde.

O ex-presidente, atualmente proibido de se candidatar na próxima eleição presidencial, tem uma natureza violenta, perversa, paranoica, sem empatia com o sofrimento humano e francamente sociopata, pois impulsivo e egocêntrico. Diversas as pessoas que o ajudaram a eleger-se presidente e depois foram excluídos tanto da nova administração quanto da proximidade de Bolsonaro. Foi o caso de Gustavo Bebiano. Chegou a ser ministro do novo governo, mas foi chutado por um filho do ex-presidente.

Agora a Polícia Federal revela fraudes, furtos de bens do patrimônio nacional, como relógios Rolex, por exemplo, falsificação de registros de vacinação contra covid, uso de órgãos públicos, como a Abin – Agência Brasileira de Informação, para ajudar um filho de Bolsonaro, Jair Renan, livrar-se de investigações da Polícia Federal. É tanta coisa, tantos crimes, tantos, com tantas provas robustas que parece difícil a ele e alguns de seus filhos bem como vários assessores livrarem-se de indiciamento em crimes diversos e de serem, a seguir, condenados.

Estavam todos esses certos do sucesso do golpe, mas deram tiros nos próprios pés, cabeça, tronco e membros. Alguns já estão presos.

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