Contra as meninas
PEC do Perdão, PEC do Aborto, PEC da Delação e PEC das Praias. PEC significa, caro leitor, Proposta de Emenda à Constituição, sendo a nossa, de 1988, a segunda maior do mundo, com 131 emendas, até 2024, além dos 250 artigos originais. Em tamanho, perdemos apenas para a da Índia, que tem 448 artigos e 94 emendas. Este último país, portanto, já emendou 94/448 artigos, ou 21% por cento do total de sua constituição em vigor, promulgada em 1950, há 74 anos. O Brasil já emendou a sua 131/250 artigos, ou 50% dos artigos dela, de 1988, até aqui meros 36 anos. Como as mudanças são feitas pelo Legislativo, quase se pode perguntar qual a serventia de um Tribunal Constitucional nessas circunstâncias. Mas, a ser mantida a regra atual, vamos ter uma nova constituição a cada cinquenta anos, sem se convocar uma Assembleia Constituinte.
Por
exemplo, exijam-se dois terços de concordância dos Estados brasileiros com a
emenda a ser feita. Tal procedimento serviria, até, ao fortalecimento da
Federação brasileira, instituição apenas nominal hoje em dia. Deixe-se à
legislação infraconstitucional a maior parte daquilo que seriam as Emendas à
Constituição, com a esperança de termos uma duradoura. Ou se faça tudo, desde o
início de sua elaboração, com mais cuidado e reflexão. Bons constitucionalistas
não faltariam a essa tarefa. Nosso Executivo vem hoje perdendo, na prática,
atribuições, em benefício do Legislativo, com grupos de pressão internos
esvaziando, de certa forma, o outro Poder, levando-me a pensar se um regime
parlamentarista não seria melhor ou não para o país. Difícil saber, falta discutir
o assunto.
Das
PECs citadas acima, apenas uma, talvez, a PEC das Praias, não atenda interesse
direto e estritamente pessoal de seus proponentes, ilustres parlamentares
brasileiros, mas quem sabe qual deles não estaria por trás desta proposição? As
outras todas, é notório, fazem parte da campanha do atual presidente da Câmara
dos Deputados, Arthur Lira, a favor do candidato escolhido por ele como
sucessor – não se sabe quem seja – na presidência da Casa. Que seja de seu
interesse privado, mas não o sobreponha ao interesse geral. Essa não é a maior deformidade
da tentativa de aprovar emendas como essa e, em seguida, enfiá-las na
Constituição. Os problemas de fundo começam na forma sorrateira e imoral com
que ele manobrou com o fim de aprová-la diretamente em votação em plenário e
continuam no próprio calibre imoral da chamada PEC do aborto.
Ele
fez aprovar pedido de urgência para sua votação, feito por um deputado
antecipadamente instruído por ele, com o objetivo de evitar a discussão da
matéria nas comissões temáticas e sob o pressuposto errado da indiferença dos
eleitores pela matéria. Se aceita pela mesa da Câmara, a solicitação dispensa a
votação nominal pelos parlamentares. É feita então uma votação chamada
simbólica, pela qual o presidente da Casa pede aos favoráveis à proposta permanecerem
como estiverem (em pé ou sentados). Ninguém se mexe, todo mundo finge que não
estava prestando atenção na sessão. Proposta aprovada. A manobra serve para
esconder como os presentes votariam, evitando a exposição deles à ira dos
eleitores, pela proposta da PEC de criminalizar o aborto de meninas estupradas
com 10 anos de idade, caso elas fizessem um aborto depois de 22 semanas de
gestação. Os estupradores seriam penalizados com menos tempo de prisão do que
as vítima do estuprador.
A
legislação atual já admite aborto legal quando houver perigo de vida para a mãe,
má formação do cérebro do feto (anencefalia) e em caso de estupro. Neste último
caso, por qual razão criminalizar o que atualmente a própria legislação vigente
não faz? Pressão de grupos evangélicos ou bolsonaristas na mistura descabida de
religião com política?
Lira
desengavetou a PEC e não anunciou ao plenário qual a matéria que estaria sendo
votada, sem dar chance a manifestações de deputados eventualmente contrários à
votação daquela maneira. A reação da opinião pública foi tão intensa que ele
recuou, sobre essa e, parece, sobre as outras. Não se tem certeza ainda. Falou
sobre uma comissão sem existência no Regimento Interno, com o fim de discutir o
assunto do aborto. Não há, até o momento, definição sobre sua composição e como
serão feitas as discussões, se o forem. Isso levanta a possibilidade de haver
nova tentativa da aprovação fraudulenta delas, contra a vontade popular.
Digo
assim porque conheço o currículo de Lira e de alguns de seus colegas com
assento no Congresso. Vejam um resuminho.
Em
16/12/ 2011, o juiz Helestron Costa, da 17ª Vara da Fazenda Pública de Maceió,
determinou o afastamento dele de cargos públicos e decretou o bloqueio de seus
bens. Ele foi, também, condenado pela 17ª Vara Cível de Maceió em uma ação
civil de improbidade administrativa. Em 2008 ele foi preso
por obstrução da justiça. Estava na ocasião afastado de suas funções na
Assembleia Legislativa, acusado de participar de fraude que desviou R$ 280
milhões do Legislativo. Fonte: Wikipedia.
Essa
é a qualidade moral desse homem.
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