Península sob ataque sonoro
19/1/2019
A passagem do Ano Novo foi comemorada em
São Paulo com fogos capazes de gerar tão somente 20% de ruído, em comparação
com aqueles usados até o ano passado. A administração municipal merece aplausos
pela iniciativa. A Constituição do Brasil garante a todos os cidadãos um meio
ambiente saudável, livre de ruídos exagerados, e a legislação
infraconstitucional estabelece os limites legais, que não podem ser
ultrapassados, sob qualquer pretexto. Se o for, o infrator arrisca-se a ser
acusado do cometimento de crime ambiental.
Infelizmente, porém, a legislação nem
sempre é cumprida. Por toda nossa cidade, em todos os bairros, ouvem-se
reclamações de moradores contra a emissão sonora excessiva. Os maiores
problemas ocorrem justamente nas áreas nas quais reside gente supostamente
equipada com boa educação formal, adquirida em boas escolas. Ilusão. Muita
gente entrou na escola, mas a escola não entrou nela.
As leis de trânsito são outras das
preferidas dos infratores. Basta postar-se em frente de qualquer escola, para
ver o caos criado no horário de saída dos alunos e chegada dos pais, ansiosos
por levar os filhos para casa. É um festival de “é rapidinho”, “volto já”, “foi
só uma buzinadinha”, na tentativa de justificar o injustificável: o desrespeito
à lei.
O mesmo, ou pior, acontece com respeito à
Lei do Silêncio, ou melhor, sem respeito à Lei do Silêncio. A legislação sobre
o uso do solo de São Luís permite a implantação de bares, restaurantes e casas
semelhantes, na área onde moro, conhecida como Península da Ponta da Areia, que
é classificada no zoneamento municipal como Zona Diversificada. No entanto, é claro,
a autorização para funcionamento, não é uma “autorização para matar”, metáfora
que uso para dizer que ela não é um liberou-geral; é tão só permissão para
funcionamento, sob certos condicionantes, cujo descumprimento enseja sua
revogação. Os limites estabelecidos na Lei do Silêncio continuam vigendo após o
licenciamento. Mude-se para perto de um
desses estabelecimentos para saber como é morar perto de uma dessas fontes poluentes.
De igual modo, acontece de o poluidor ser
flagrado no ato de cometer possível crime ambiental. Sua primeira desculpa é
esta: “Mas eu estou criando empregos”. É verdade. No entanto, a criação de
emprego é objetivamente mero subproduto do investimento feito com o fim de
gerar lucros. Quem aplica seu capital num negócio o faz com o objetivo de lucrar,
não de dar empregos. Quem faria investimentos com a meta de ter prejuízo?
Contudo, essa benéfica busca pelo interesse próprio (o lucro), natural, legítima
e necessária ao aumento da riqueza da sociedade, não dispensa estrita
obediência às regras do jogo, ou seja, as leis, decretos, regulamentos, etc.
Infelizmente, sempre há os infratores. Esses sempre são minorias punidas pelo
sistema judiciário. Não há jeitinhos nem carteiradas capazes de mudar isso.
Vem crescendo com o passar do tempo nesta
área casos de agressão à Lei do Silêncio. Por isso, os moradores de quatro
condomínios, inclusive o meu, das proximidades de um bar que funcionava atrás
do Iate Clube, reuniram-se, alguns anos atrás, e contra o estabelecimento
entraram com uma ação, pela emissão sonora acima do permitido. Simultaneamente
fui ao IPHAN, em meu próprio nome; aquele órgão, por sua vez, dirigiu-se ao
Ministério Público Federal e este propôs uma Ação Civil Pública – ACP contra o
bar, que foi aceita pela justiça federal. No fim, a sentença de mérito colocou
severas restrições às atividades do estabelecimento e seus proprietários
avaliaram como inviável financeiramente a continuidade de sua operação no local
e foram embora daqui. Na minha denúncia original, eu mostrava ao IPHAN que a
estrutura do Forte de Santo Antônio, bem tombado como do patrimônio histórico
nacional, estava ameaçada pelos eventos realizados perto daquela estrutura
histórica.
Logo a seguir, o Iate Clube se candidatou
a substituto do bar e tentou fazer os mesmos eventos ou eventos semelhantes, em
suas dependências, com a mesma poluição sonora. Os moradores foram à justiça
estadual novamente, de que resultou uma liminar, impondo a obrigação de
isolamento acústico ou, na ausência deste, a não realização de eventos no clube.
Estamos no aguardo da decisão de mérito.
Mais recentemente, tomei conhecimento, por
meu amigo Moacir de Moraes, que mora há décadas na rua das Gardênias, aqui na
Península, de situação bastante estressante, criada por forte poluição sonora,
cuja fonte está a pouquíssimos metros de sua casa. Como todo mundo sabe, tal
circunstância prejudica a saúde das pessoas de qualquer faixa etária e
prejudica ainda mais Moacir e Márcia, sua esposa, idosos ambos.
O caso é este. Bem em frente da residência
de Moacir, do outro lado da rua, a não mais de dez passos de distância,
funciona o bar Azeite e Sal. O ruído produzido no local supera em muito o nível
permitido legalmente, segundo laudo técnico feito sob a supervisão do promotor
de Defesa do Idoso, José Augusto Cutrim Gomes, do MPE, obedecendo a todos os
critérios técnicos e de bom senso pertinentes a esse tipo de avaliação. Esse
documento encontra-se na Promotoria do Idoso. Outro laudo, contratado pelos
moradores do entorno do Azeite, foi feito, também constatando a infração, e
serviu de fundamento tanto à propositura de ação contra o Azeite, quanto à liminar
da justiça estadual. Essa liminar foi derrubada pelo desembargador Luiz Gonzaga
Almeida.
O interessante aqui é que o restaurante
Bangalô, situado num lote lindeiro com o da casa de Moacir, chegou a promover
festas pré-carnavalescas num determinado ano; mas, após diálogo com os
moradores, prometeu tomar medidas para evitar a poluição sonora e tomou mesmo,
evitando incômodos aos vizinhos. Os sócios do Azeite também foram igualmente convidados
a reunir-se com moradores na casa de Moacir. Concordaram em manter o ruído
dentro do limite legal, mas nunca cumpriram o prometido, como os laudos
mostraram. Após muitas reclamações, pelo não cumprimento da promessa, um dos
sócios fez a sugestão a Moacir: “Procure seus direitos”. Acreditando que leis são
para ser cumpridas, ele procurou a Justiça, como é direito de todo cidadão, mas
depois de ano e meio de peregrinação pelos órgãos de fiscalização.
Apesar
de Moacir ter usado o direito constitucional, de reclamar nas cortes por direito
líquido e certo, a ação contra o Azeite parece ter despertado contra o idoso,
em um minúsculo subgrupo do grupo de WhatsApp da Península, ira de tubarão,
como na canção de Djavan. Outra ação há contra o Azeite, a do condomínio Monte
Olimpo, tendo como objeto o uso irregular do estacionamento do prédio onde o Azeite
funciona. Mas não se viu agressividade nenhuma contra seus autores. Moacir
chegou a receber a sugestão de se mudar para outro local. Segundo penso, fica
implícito aí o seguinte aviso: quem não gostar de poluição sonora não venha
morar na Península. Dou abaixo o print
da tela do WhatsApp onde se vê a grosseria.
Esse só um de vários exemplos recolhidos
por Moacir, da hostilidade, desrespeito e violência
psicológica contra ele e a esposa, apenas porque eles não se intimidaram e não
deixaram de lutar pelos seus direitos e os dos outros moradores.
Essa
atitude pode ser caracterizada como agressora do Estatuto do Idoso, em seus
art. 4º e 6º, e nos incisos I a V, § 1o, do art. 19 (Lei No 10.741, de 1º de outubro de 2003):
Art. 4o Nenhum idoso será
objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus
direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.
Art. 6o Todo cidadão tem o
dever de comunicar à autoridade competente qualquer forma de violação a esta
Lei que tenha testemunhado ou de que tenha conhecimento.
Art.
19. Os casos de suspeita ou confirmação de violência praticada contra idosos
serão objeto de notificação compulsória pelos serviços de saúde públicos e
privados à autoridade sanitária, bem como serão obrigatoriamente comunicados
por eles a quaisquer dos seguintes órgãos:
I – autoridade
policial;
II – Ministério
Público;
III – Conselho
Municipal do Idoso;
IV – Conselho
Estadual do Idoso;
V – Conselho Nacional do Idoso.
§ 1o Para os efeitos desta Lei, considera-se violência contra o idoso
qualquer ação ou omissão praticada em local público ou privado que lhe cause
morte, dano ou SOFRIMENTO FÍSICO OU
PSICLÓGICO. (As maiúsculas e o negrito são meus).
§ 2o
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A continuar essa tendência de aumento da poluição sonora na
Península, teremos de dar razão ao blogueiro Aldir Dantas, que recentemente
disse com acerto: “Do jeito que as coisas vão na Península, de bairro chique
ela ainda vai ser conhecida como bairro brega”. Ou, acrescento, poderá ser
conhecida como Baixo Península, por analogia com Baixo Leblon, denominação
usada no Rio de Janeiro, referindo-se ao bairro de mesmo nome e ponto de
encontro de pessoas em que a obediência às leis é suspensa durante eventos lá
realizados.
Finalmente alerto os
moradores acerca de uma consequência negativa do descontrole sonoro prevalecente
na Península. Se situação atual prevalecer daqui em diante, o patrimônio dos
moradores, na parte constituída de apartamentos e outros imóveis localizados
nesta área, sofrerá desvalorização, pois quem deseja morar num lugar sujeito à
instalação a seu lado, de uma hora para outra, de um potencial poluidor sonoro,
que irá perturbar suas atividades e seu repouso diários, principalmente sua
noite de sono? A atratividade da área poderá diminuir e, portanto, reduzir os
preços desses imóveis. Se hoje Moacir desejasse vender sua casa não obteria o
mesmo preço de antes da instalação do Azeite e Sal, a poucos metros de seu
portão de entrada. Não é perda pequena.
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