Criminosos inocentes
Jornal O Estado do Maranhão
Se alguma vez a regra foi quebrada, fossem quais fossem as circunstâncias, ou os apelos das crianças, ou as insinuações de grave doença, não consigo lembrar. Nada faria minha mãe liberar-nos, a mim e meus irmãos, dos deveres escolares, senão depois de nos sentarmos na mesa da copa da casa do Monte Castelo – este, então, bairro para onde a classe média de São Luís estava se mudando, no antigo Caminho Grande dos tempos coloniais, vinda do centro da cidade, e não o bairro de hoje, açoitado por problemas de toda grande cidade brasileira – e, eu dizia, senão depois de nos sentarmos disciplinadamente, mas não sob ameaças que, a mim, pelo menos, somente bloquearia o raciocínio, e cumprirmos o dever diário.
Aí vinham os afluentes do Amazonas, das duas margens do rio, tema, do meu ponto de vista de então, e mesmo do de agora, aterrorizante para uma pessoa como eu, sem a chamada “memória privilegiada” e tendente a encarar a tarefa como quase um castigo; isso quando, no dia seguinte, eu tinha de enfrentar a aula de Geografia, obrigação mais preocupante, até, do que a possibilidade de jogarem uma bomba atômica no Brasil, em meio a uma guerra entre os Estados Unidos e a hoje morta União Soviética; mais adiante, o grito da Independência, às margens do Ipiranga, com D. Pedro I, espada apontando o alto e um belo futuro, em pose de libertador, como víamos nas ilustrações dos nossos livros de História; as letras do hinos, a serem aprendidas do começo ao fim, como o do Brasil, o da Independência e o do Maranhão (sim se aprendia o hino do Maranhão nas escolas). Só muito mais tarde cheguei a compreendê-las inteiramente.
Ao fim das tarefas, aí sim, podíamos começar as brincadeiras. O jogo de bola de meia, de seringa, de borracha ou de couro, ao sol ou sob chuva, no quintal cimentado da casa, me deixava marcas quase permanentes no dedão do pé, tal a constância no lixar o cimento com sua parte de cima, na tentativa de chutar bolas não tão grandes assim, ao contrário da de couro, muito maior comparada às outras; o jogo de botão, de xuxo e de bolinha de gude; o empinar do papagaio, gingando lá no alto, tal qual um passista de escola de samba; a escalada da pitombeira nos fundos do quintal e da mangueira do quintal de terra da vizinha.
Essa combinação de disciplina com liberdade nos fez compreender, acredito, a importância do cumprimento das obrigações assumidas ao longo de nossas vidas, a necessidade de perseverança no estudo e igualmente no trabalho, como em tudo mais, o valor da autoconfiança na superação das dificuldades, dado pelo conhecimento, a ética do respeito aos professores, como orientadores e parceiros dos pais na tarefa de educar as novas gerações.
Hoje esses valores estão sob ataque em todos os níveis da educação. A doutrinação ideológica tem degradado a qualidade do aprendizado e levado à ética da irresponsabilidade, pela qual delinquentes de todos os tipos cometem crimes, mas não são responsáveis pelos próprios atos. Um tal de sistema capitalista opressor e patriarcal bem como uma perversa elite branca e mais um discurso elitista, reacionário, neoliberal e fascista são os responsáveis por todos os males do Brasil e do mundo. Os criminosos são os únicos inocentes.
Aí vinham os afluentes do Amazonas, das duas margens do rio, tema, do meu ponto de vista de então, e mesmo do de agora, aterrorizante para uma pessoa como eu, sem a chamada “memória privilegiada” e tendente a encarar a tarefa como quase um castigo; isso quando, no dia seguinte, eu tinha de enfrentar a aula de Geografia, obrigação mais preocupante, até, do que a possibilidade de jogarem uma bomba atômica no Brasil, em meio a uma guerra entre os Estados Unidos e a hoje morta União Soviética; mais adiante, o grito da Independência, às margens do Ipiranga, com D. Pedro I, espada apontando o alto e um belo futuro, em pose de libertador, como víamos nas ilustrações dos nossos livros de História; as letras do hinos, a serem aprendidas do começo ao fim, como o do Brasil, o da Independência e o do Maranhão (sim se aprendia o hino do Maranhão nas escolas). Só muito mais tarde cheguei a compreendê-las inteiramente.
Ao fim das tarefas, aí sim, podíamos começar as brincadeiras. O jogo de bola de meia, de seringa, de borracha ou de couro, ao sol ou sob chuva, no quintal cimentado da casa, me deixava marcas quase permanentes no dedão do pé, tal a constância no lixar o cimento com sua parte de cima, na tentativa de chutar bolas não tão grandes assim, ao contrário da de couro, muito maior comparada às outras; o jogo de botão, de xuxo e de bolinha de gude; o empinar do papagaio, gingando lá no alto, tal qual um passista de escola de samba; a escalada da pitombeira nos fundos do quintal e da mangueira do quintal de terra da vizinha.
Essa combinação de disciplina com liberdade nos fez compreender, acredito, a importância do cumprimento das obrigações assumidas ao longo de nossas vidas, a necessidade de perseverança no estudo e igualmente no trabalho, como em tudo mais, o valor da autoconfiança na superação das dificuldades, dado pelo conhecimento, a ética do respeito aos professores, como orientadores e parceiros dos pais na tarefa de educar as novas gerações.
Hoje esses valores estão sob ataque em todos os níveis da educação. A doutrinação ideológica tem degradado a qualidade do aprendizado e levado à ética da irresponsabilidade, pela qual delinquentes de todos os tipos cometem crimes, mas não são responsáveis pelos próprios atos. Um tal de sistema capitalista opressor e patriarcal bem como uma perversa elite branca e mais um discurso elitista, reacionário, neoliberal e fascista são os responsáveis por todos os males do Brasil e do mundo. Os criminosos são os únicos inocentes.
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