Natal

Jornal O Estado do Maranhão

          Frequentei estabelecimentos católicos durante toda minha vida em escolas, até mesmo na pós-graduação, pois é católica a Universidade de Notre Dame, em Indiana, nos Estados Unidos, onde fiz mestrado e doutorado em Economia, entre 1978 e 1983, quando andei estudando alguns aspectos da atuação de multinacionais no Brasil, em especial o da criação de empregos, ao comparar-se empresas brasileiras com as primeiras. A única laica foi exatamente a primeira, o Jardim de Infância Dom Francisco, ali na praça da Alegria. Era praça da tristeza nos tempos antigos, pois ali se executavam condenados à morte, levando o povo a chamá-la de largo da Forca Velha. Antes de se chamar Dom Francisco, ela se chamara Decroly, em homenagem a Ovide Decroly, educador belga.
          Sintetizo essa trajetória tão só com o fim de dizer que tão longa convivência com o catolicismo e os ensinamentos cristãos, não apenas na escola, mas, também, na convivência familiar, em especial com minha mãe, avós, tios e tias, não me tornou uma pessoa religiosa. Todavia, longe de lamentar tal experiência, eu a considero inestimável. Muitos princípios morais presentes nos ensinamentos cristãos, foram e são de valor incomensurável para mim.
          Pessoas sem fé, como eu, não no homem, mas em vidas depois da morte e na existência de seres superiores, fazem parte de minoria que, segundo os biólogos evolucionistas, tem uma incapacidade radical nesse tipo de crença. Não é uma questão de escolha nem é algo contingente, produto de circunstâncias, mas necessário. O vulgo, ou não, declara serem elas destituídas de senso moral, como na famosa, mas errada, afirmação: “Se Deus não existe, tudo é permitido”. Bom, o ser humano é possuidor de um senso inato do certo e do errado. Intuitivamente, ele sabe que, por exemplo, matar é errado, é comportamento capaz de ferir sua intuição moral. Por que alguém agiria contra seus próprios instintos? A afirmativa sobre a existência de Deus parte da ideia de que a humanidade é destituída daquele senso. Quanto a isso, posso dizer: somos uma das minorias mais discriminadas. Vejo sobrancelhas se arquearem, muitas vezes sem nelas se descobrir nada de comportamento cristão, quando falo dessas ideias.
          Criado nessa milenar tradição, dela, uma das festividades de que mais gosto é a do Natal. Estão presentes em mim as noites da véspera de Natal e o nosso esforço de crianças para ficar acordados e ver Papai Noel chegar, sempre sem sucesso. Gostava e gosto pelo clima que se cria nessa época do ano, a reunião da família, amigos, o encontro com pessoas queridas, o sentimento de solidariedade humana, embora haja igualmente alguma tristeza.
          Talvez por isso, mas não apenas por isso, o conto de Machado de Assis mais do meu agrado é A Missa do Galo, obra prima do conto sem enredo e de uma única situação concentrada, simultaneamente um clima de tranquilidade e tensão, no encontro entre um jovem que espera a Missa do Galo e uma jovem senhora infeliz no casamento. Mil sugestões emergem de um simples diálogo entre os dois. Sem o Natal, sem o clima do Natal, tal tesouro teria ficado por ser criado.
          A todos, feliz Natal.

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