Laura

Jornal O Estado do Maranhão
          “Quando há dias fui enterrar o meu querido Serra, vi que naquele féretro ia também uma parte de minha juventude”. Perdoem-me os leitores por voltar, uma vez mais, à crônica de Machado de Assis, de 5 de novembro de 1888, na “Gazeta de Notícias”, por mim mencionada algumas vezes, aqui mesmo neste jornal, em que ele fala da morte de seu amigo maranhense Joaquim Serra. As circunstâncias me levam a lembrar desse belo texto.
          Quando evocamos o desaparecimento de amigos, queridos amigos, de pais e avós, de irmãos, de primos, de professores do tempo de criança, de simples conhecidos, falamos do passado, das experiências de vida em comum, de lembranças sobre as quais perdemos para sempre alguém capaz de entender, por uma simples palavra, sem necessidade de explicações e de elaborações, nossa intenção ao dizer algo. Ainda podemos falar desse passado, mas, quem nos ouvir a fala, jamais poderá captar emocionalmente o sentido particular da palavra dita, como o amigo fazia. Assim, podemos dizer que essas mortes nos fazem morrer um pouco a cada vez que se apresentam. Envelhecer é, em grande parte, tal acúmulo de perdas. As físicas são de menor importância, creio eu, e sempre podemos fazer um esforço para retardá-las.
          O que se pode dizer, porém, do falecimento prematuro de uma criança, do desaparecimento inesperado de uma vida em seu princípio? Aqui, tudo se inverte. Não estamos mais falando do passado perdido, mas, da perda do futuro. A morte de Laura Burnett Marão, há poucos dias, em violenta colisão com o carro de seu pai, de um veículo dirigido por motorista bêbado, responsável, provavelmente, por outros acidentes de trânsito semelhantes ao que a matou, como outros milhares de irresponsáveis o fazem diariamente por todo o país, sem as autoridades policiais se aplicarem para valer à repressão desses assassinos em potencial, algo fácil de fazer, quando se quer fazer, põe ante nossos olhos e corações realidade dolorosa.
          Não se perdeu tão só uma vida preciosa e tão recente, pois iniciada havia apenas 8 anos, o mesmo tempo de vida de Davi, meu filho e também neto. Por coincidência, o avô materno de Laura, Fred Burnett, foi meu colega no antigo ginásio, na mesma turma do Colégio Maranhense, dos irmãos Maristas bem como companheiro de escotismo. O tempo passou e nossos netos, Laura e Davi, acabaram na mesma turma na escola Maple Bear.
          Os pais da pequena Laura, Larissa e Marão Neto, e irmãos Felipe, gêmeo dela, e Vítor, o mais novo, perderam os sobrinhos e netos que viriam no amanhã que a ela foi criminosamente negado, e, ainda, os filhos dos netos, os filhos dos filhos dos filhos e assim por diante, até a consumação dos séculos numa sucessão infinita, como infinita é a dor. As gerações vindouras estarão desfalcadas deles. E quem pagará o preço de ter causado essa imensa tragédia? A crer-se nas nossas leis, na leniência de punição de pessoas embriagadas na direção de veículos motorizados, no máximo, o culpado confesso prestará alguns dias de serviços comunitários ou fará doação de cestas básicas a comunidades carentes e, depois, seguirá livre para repetir o crime. Carlos Diego Araújo Almeida é seu nome.
De qualquer modo, pensemos assim: muitas alegrias, não só tristezas, ficarão nas lembranças de seus pais e dos mais próximos: as primeiras palavras, a primeira vez de pronunciar mamãe, ou papai, os primeiros passos, os primeiros dentes de leite, o primeiro destes depois arrancado, o primeiro dia de escola, o mundo descoberto aos poucos, com seus belos olhos verdes claros. Elas servirão para amenizar o sofrimento de agora, assim como o tempo o faz, sem apagá-lo nunca, porém; assim como as palavras de consolo dos amigos amenizam também, mas, nada poderá fazê-lo completamente.
Os colegas elaboraram emocionalmente, cada um a sua maneira, a falta de Laura entre eles. Davi disse que ela tinha um clone e, pois, tudo voltaria a ser como antes. Ela não morrera de verdade. Ele tem razão. Ela estará viva para sempre na lembrança dos que a amaram e amarão por toda a eternidade.

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