Contra o terror
Jornal O Estado do Maranhão
Os atentados de Paris mostram sem disfarces os perigos a que a liberdade e o modo de vida democrático das nações ocidentais e de várias outras partes do mundo estão expostos. O momento é de dizer tudo sem meias palavras, agrade-se ou desagrade-se o pensamento politicamente correto e ditatorial em voga em círculos intelectuais do Brasil, da própria Europa e, em particular, da França, vítima recente do terrorismo.
Vejamos logo o que esta guerra não é. Guerra de religião, não é; é guerra de valores, feita, de parte de um dos lados envolvidos, com bombas, fuzilamentos, atentados, decapitações, intimidações, assassinatos, opressão dos cidadãos, em especial das mulheres. O islamismo, em sua aparência religiosa, mas como essência ideológica totalitária, impõe, onde é maioria, e forceja por impor, onde não o é, valores antidemocráticos. Entre as grandes religiões monoteístas de hoje, ele é o único que, dos mandamentos de caráter sagrado constantes de seus livros santos, deles não separa as leis civis, como materializado na sharia. Em sua visão de mundo e de sociedade não há e não pode haver separação entre Estado e Religião. Eis porque não há liberdade religiosa nem de espécie alguma em suas sociedades.
Não estamos tratando tão só com uma religião, mas também com uma concepção totalizante de sociedade, da qual nada deve e nada pode, de fato, escapar. (Devo esta observação ao artigo “Para entender o ataque ao Charlie Hebdo, leia Michel Houellebecq”, de Flavio Morgenstern, postado no Facebook pela minha prima, professora da Uema, Maya Felix). Tal visão corta de imediato a possibilidade da existência de sociedades seculares, fechando as portas ao exercício das liberdades alcançadas num processo civilizatório construído por milênios. A guerra é essa, mesmo, de valores. Não será com a utilização da barbárie que a venceremos. As torres de Nova York, a Maratona de Boston (estas duas não fizeram nenhuma charge) e o jornal Charlie Hebdo são a mesma e única coisa aos olhos do terror, apenas abstrações das quais os seres humanos assassinados eram meras representações materiais.
Desde as primeiras notícias do atentado de Paris, tomaram posição de combate muitos justificadores dos atos de terrorismo. A velha história: “Os atos violentos são injustificáveis, mas...”. E toma a atribuir a culpa pela própria morte às vítimas. Ora, eu não gosto das sátiras do Charlie Hebdo, mas nunca clamei pela morte dos chargistas.
Duas legiões de defensores do terror logo se formaram. Uma, como era de esperar-se de passado de cinismo moral, formou-se a partir do pensamento de esquerda, com a velha conversa, meio envergonhada, de imperialismo, capitalismo, colonialismo, etc. Esta conta, até, com esquerdistas de gabinete. O espanto realmente chocante veio, porém, de pessoas ordinariamente afáveis, simpáticas, honestas, boas, cumpridoras das leis, comprometidas com sua religião e, até, de padres. Muitos desses, meus queridos amigos.
Pois esta segunda legião saiu em defesa ativa da sentença de morte decretada pelo terror. Os antigos valores da civilização não valem mais nada? Se alguém me ofende ou ofende minha religião, eu vou lá e mato o ofensor? Cristianismo estranho, segundo entendo. Só é ruim a sátira contra os muçulmanos? Não se viu o assassinato dos mesmos chargistas quando mostraram Nossa Senhora como prostituta! Será que um ateu como eu terá de lembrar a alguns cristãos de sua própria doutrina? Aliás, eu me irrito muito quando dizem, equivocadamente, que ateus são amorais, mas, nunca passei sentença de morte sobre ninguém ao ouvir tal bobagem.
Bem, vinha eu pelas ruas da cidade, pisando distraído em vermes politicamente corretos pelas calçadas, quando dou uma topada em declaração do papa Francisco e quase vou ao chão. Dizia ele, ambiguamente: “Cada um tem o direito de praticar sua religião, mas sem ofender”, dizendo, mais, que é uma aberração matar em nome de Deus. O irmão Bergolio perdeu o foco. A pergunta que tem de ser feita e resume toda a discussão é esta: “Temos o direito de matar quem nos ofende?”.
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