Quanto tempo!
Jornal O Estado do Maranhão
Já se passaram muitos anos. Eu tinha apenas 10 anos. O ano de 1958 marcou o início da incomparável ascensão brasileira no mundo do futebol mundial.
Na Copa de 1938, nossa seleção havia terminado em terceiro lugar e Leônidas da Silva, o Pelé da era pré-Pelé, havia sido o artilheiro da competição. Suas extraordinárias habilidades fizeram com que uma fabricante de chocolates desse o nome de Diamante Negro, forma como ele era chamado, a um de seus produtos e até hoje fabricado.
Em 1950, veio o drama da perda da Copa, realizada aqui mesmo, frente ao Uruguai. No entanto, se olhássemos nossa posição no torneio com olhos de estatístico, haveríamos de perceber o progresso do Brasil, pois fomos do terceiro lugar ao segundo entre uma Copa e a seguinte. Mas, é evidente, ser vice-campeão nas circunstâncias daquele ano era equivalente a ser o lanterna. Nada consolaria o torcedor. Daí nasceu o clima emocional que levou à famosa tirada de Nelson Rodrigues acerca do complexo de vira-lata do brasileiro.
Nossa participação na disputa de 1958 foi nesse ambiente de vira-latismo, acentuado depois da eliminação do Brasil no confronto com o bicho-papão da Copa de 1954, a Hungria de Puskas e outros grandes jogadores. Nelson Rodrigues, sempre ele, disse então: “Acabou o exílio. A seleção partiu para a Suécia”. O descrédito da nossa equipe era imenso. Ninguém, com exceção talvez do próprio escritor, acreditava em nosso sucesso. Era preciso ver a imprensa e seus especialista de época de Copa do Mundo. Cada um mais doutoral do que o outro, decretava a morte do futebol brasileiro. A vergonha ia ser grande, voltaríamos os vira-latas de sempre. Provaram que não se deve confiar em especialistas. O resto da história é de domínio geral: apareceu Pelé, ganhamos a Copa e quatro outras nos anos seguintes de lá até aqui. O complexo de vira-lata foi parar na lata de lixo.
Para o garoto de 10 anos, foi um ano inesquecível, esse de 1958, mas não apenas pela vitória na Suécia. Houve outro acontecimento inesquecível, a ameaça das tropas rebeldes cubanas de tomar Havana, onde estava a sede do governo. A imprensa e, particularmente, a revista Cruzeiro, na época a de maior tiragem e a mais influente, faziam longas reportagens ilustradas com quantidades generosas de fotos dos guerrilheiros barbudos liderados por Fidel Castro e outros, mostrando o movimento deles em direção à capital. Os charutos, a barba longa, a aura de combatentes pela liberdade e de pureza de propósitos, o entusiasmo juvenil daqueles homens, a simpatia de grande parte dos meios de comunicação, tudo contribuía com o entusiasmo da maioria pelos rebeldes. Eu levava horas lendo os jornais e revistas e, principalmente, admirando vagorosamente as figuras de Fidel e Raúl Castro, Camilo Cienfuegos, Che Guevara que aos poucos iam formando uma imagem bastante positiva da revolução em andamento, criando esperanças não apenas no povo cubano, mas também ao redor do mundo acerca das boas intenções revolucionárias e de um belo futuro de prosperidade geral à espera do povo cubano bem ali na esquina.
A Revolução, infelizmente, degenerou numa ditadura feroz e longeva e foi rotulada de comunista pelos seus líderes. Tão feroz e tão longeva que eu, hoje no grupo de pessoas classificadas de idosas, conheci como governantes da bela ilha caribenha nesse tempo todo apenas os irmãos Castro. Tenho lembranças do presidente deposto, Fulgêncio Batista. Contudo, muito do que me lembro dele, são recordações construídas a posteriori, em leituras nos últimos cinquenta e seis anos decorridos desde então. Isso não é, para dizer eufemisticamente e em linha com o espírito de moderação de passagem de ano, sinal de espírito democrático. Afinal, como pode haver democracia de partido único? A invocação do demônio americano serve à explicação de todos os fracassos do atual regime cubano e da manutenção de uma ditadura que, se não é a mais antiga do mundo, está disputando a Copa do Mundo do assunto, com chances elevadas de vencer.
É, já se passaram de fato muitos anos desde então.
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