A culpa de cada um

Jornal O Estado do Maranhão

          Há importante debate a ser feito, antes de qualquer outro, quando se vai discutir indicadores de violência: o da liberdade de escolha ou da ética da responsabilidade pessoal.
          Não há evidências empíricas consistentes de haver relação de causa e efeito entre os indicadores de pobreza-desigualdade de um lado e os de violência de outro. Se os primeiros fossem causas necessária dos segundos e devêssemos ter como aceitáveis meios espúrios (criminalidade) com o fim de justificar fins “nobres’ (justiça social), então estaríamos às portas de inevitável revolução. Porém, não vejo hordas de sans-culottes em avanço sobre alguma bastilha de uma burguesia amedrontada. Ou constituirão os rapazes dos rolezinhos e os anarquistas black blocs a vanguarda da nova revolução soviética? Se a relação existisse, a taxa de criminalidade deveria diminuir quando diminuíssem a pobreza e a desigualdade. Estas, no entanto, nos últimos anos, tiveram quedas no Nordeste, mas a taxa de violência subiu na região em vez de baixar.
          Cada pessoa, não importando seu nível de renda, faz opções éticas pelas quais só ela é responsável, não um “sistema injusto” que a obrigaria a entrar no mundo da delinquência. Escolhe-se ser criminoso ou não sê-lo. É preconceituoso com a quase maioria absoluta dos pobres honestos achar que, quando optam por viver à margem da lei, assim o fazem obrigados pelo baixo nível de renda. E os jovens delinquentes das classes média e alta, qual a razão do comportamento deles? Deixemos o famoso “sistema” fora dessa história.
          Não devemos ser compreensivos com o crime, não importa o fim a que possa servir. Não tem essa de vítimas de forças malignas superiores. Contudo, para fazer valer de modo civilizado as condenações, precisamos de penitenciárias decentes. Investir nelas é promover a segurança pública, ao contrário do entendimento do senso comum. Estudo do IPEA, “Evolução e determinantes da taxa de homicídios no Brasil”, mostrou que "prender mais bandidos e colocar mais policiais na rua são políticas públicas que funcionam na redução da taxa de homicídios".
          Qual nossa culpa individual, objetiva, pela violência? Nenhuma, assim como não teríamos responsabilidade pela escravidão se nossos antepassados tivessem sido donos de escravos. Aliás, como atribuí-la coletivamente? Ela é sempre individual. Se todos são culpados ninguém o é. Ou só o é no sentido de que “se sentir culpado é um dos modos mais típicos da consciência moral”, como diz Felipe Condé. As onipresentes brigadas politicamente corretas diriam que só os pobres (“o povo”) são inocentes, pelas suposta virtudes roussaunianas deles. Mas não trato desse sentido aqui. Refiro-me a julgamento histórico. Neste, como no mundo jurídico, vale o princípio de individualização da culpa. Cada um, endinheirado ou não, deve pagar pela sua.
          Os problemas de hoje não são em sua maioria devidos à falta de recursos, mas à aplicação ruim dos existentes, tanto pela ineficiência intrínseca do setor público acentuada pelo aparelho político quanto pela corrupção.
          Influenciada pelo ainda hegemônico pensamento de esquerda, a sociedade tem atitudes negativas com relação a conceitos como liberdade, democracia, iniciativa individual, economia de mercado, repressão à delinquência, combate à corrupção, etc.; suas instituições, entre elas a Justiça, não funcionam a contento, provocando descrença cívica entre os cidadãos de todas as condições sociais; lucro entre nós é furto, não fonte de crescimento adicional; nossa democracia é condescendente com a violência e a tortura; as polícias são vistas com desconfiança pelo homem comum; o arcabouço político é autista em relação às demandas dos cidadãos. Esse conjunto apenas exemplificativo freia o desenvolvimento e leva, muitas vezes por sentimento de culpa dos encarregados de agir, ao bloqueio de legítimas ações estatais de legítima repressão.
          Como começar a sair dessa armadilha? Precisamos de uma revolução cultural, mas não como a de Mao, na China comunista. Como iniciá-la? Com a implantação de qualificado aparelho educacional, como foi feito, para dar exemplo notável, na Coreia do Sul. Injustiça de fato inaceitável contra os cidadãos é privá-los de boa instrução, bem de caráter intangível todavia de crucial valor, pois proporciona a eles aumento de renda (aqui, sim, centenas de estudos mostram relação de causa e efeito), despertar de consciência ponderada sobre seus direitos, visão informada sobre suas escolhas, etc. Outros investimentos, inclusive em penitenciárias, devem ser feitos e medidas complementares tomadas, claro.
          É de enorme importância também fazer reforma política que estabeleça relação direta entre representante e representado, permitindo a este cobrar daquele o exercício do mandato em favor de suas necessidades e não do parlamentar, eliminando-se a mania de acusar os eleitores de não saber votar. Houvesse mecanismos de controle do exercício do mandato político, poderiamos ver a falácia de afirmação como essa.

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