Do Blog de Reinaldo Azevedo - O STF a um voto de uma desmoralização sem precedentes. Ou: O Espectro da impunidade ronda o país. Ou ainda: Lembrando o que disse Celso de Mello
12/09/2013
às 5:57
Tudo
aquilo que habitualmente se diz nas ruas sobre a Justiça injusta do
Brasil; tudo aquilo que assegura o senso comum sobre a impunidade dos
poderosos; todas as generalizações mais duras sobre uma Justiça muito
ágil em punir pobres e pretos; mesmo os preconceitos mais
injustificados, fundados, muitas vezes, na ignorância de causa… Tudo
isso, enfim, está prestes a se confirmar nesta quinta-feira. O Supremo
Tribunal Federal, a corte máxima do país, está a um passo de uma
desmoralização sem precedentes, que escarnece do povo brasileiro, que
ignora as suas esperanças, que faz pouco caso de seu senso de proporção e
justiça. Não! Já não há massas nas ruas — a rigor, da forma como se
noticiou, nunca houve (mas esse é outro assunto). No Sete de Setembro,
as praças foram tomadas por vândalos. Nesta quarta, não havia uma só
faixa de protesto nas proximidades do tribunal. As esquerdas todas, como
se nota, se recolheram. Para elas, agora, interessa o silencio fúnebre;
querem enterrar sem solenidade a chance histórica que tem a Corte
máxima do país de afirmar que o crime não compensa. Pior: há uma
possibilidade, dados os elementos que se esboçaram nesta quarta, de a
tragédia receber a chancela de Celso de Mello, o decano do Supremo,
justamente aquele que foi, nos meios, a mais perfeita tradução da
sensatez, mas também da indignação justa, pautada pela letra da lei.
Terá sido, assim, um gigante nos meios, mas para selar um fim
melancólico. Não, senhores! Eu não estou cobrando, e jamais o fiz, que o
Supremo ignore a força da lei. Ao contrário: o que se pede é que a
cumpra.
Aqui cabe
uma ressalva, e respondo também a um querido amigo, especialista na
área. É claro que a existência ou não dos embargos infringentes não é
uma questão incontroversa, como dois e dois são quatro. Fosse, juízes
para quê? É perfeitamente possível argumentar em favor da sua validade.
Mas não são menos fortes os argumento — ao contrário: são mais fortes,
mais definitivos e mais afinados com o objetivo último da justiça
criminal, que é desagravar a parte ofendida e punir quem cometeu delito
(ou não é?) — que asseguram que o recurso, previsto no Artigo 333 do
Regimento Interno do Supremo, está extinto. Digamos que o tribunal
esteja entre dois caminhos, ambos amparáveis em textos legais. Cumpre,
então, que se faça uma escolha a partir de uma pergunta, vá lá, de
natureza teleológica: qual deles torna a justiça mais justa? Qual deles
se afina mais com o espírito da lei? Qual deles serve com mais eficácia à
harmoniza social, à punição dos culpados e a uma resposta reparadora
aos justos?
Qual, ministro Barroso?
Qual, ministra Teori?
Qual, ministra Rosa?
Qual, ministro Toffoli?
Qual, ministro, Lewandowski?
E vamos
ver se haverá mais um nome nesta lista. Se os dois caminhos encontram
acolhida em textos legais, é preciso que indaguemos aos ministros e que
também eles se indaguem por que razão estão lá, com que propósito, com
que finalidade, atendendo a que mandamento, a que princípio. Então é
preciso que perguntemos com clareza e que eles também se perguntem com
igual verdade: a que senhor servem os 11?
Os
argumentos já estão todos postos. Já foram devidamente esmiuçados. Não
pretendo voltar a eles, senão para, com a devida vênia, apontar algumas
ideias francamente fraudulentas — porque ardilosas e indutora do engano e
da falácia — que se ouviram ontem no tribunal. Sustentar que os
embargos infringentes servem como um duplo grau de jurisdição é uma
trapaça melancólica. A ser assim, se vale para os 12 que teriam direito
aos infringentes, por que não aos demais? Por esse caminho, o julgamento
recomeçaria do zero.
De resto,
chega de mistificação! Chega de ficarem brandindo o tal Pacto de São
José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos) como se ali
estivesse o “magister dixit” do chamado “duplo grau de jurisdição. Que
diabos, afinal, diz o tal pacto? Transcrevo o Artigo 8º, que é
justamente o das garantias judiciais (em azul):
Artigo 8º – Garantias judiciais
1. Toda pessoa terá o direito de ser
ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um
juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido
anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada
contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter
civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
2. Toda pessoa acusada de um delito tem
direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente
comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em
plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
a) direito do acusado de ser assistido
gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não
fale a língua do juízo ou tribunal;
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;
c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa;
d) direito do acusado de defender-se
pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de
comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;
e) direito irrenunciável de ser assistido
por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a
legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear
defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;
f) direito da defesa de inquirir as
testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como
testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os
fatos;
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e
h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.
3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.
4. O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.
5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.
Voltei
Reparem na “alínea h” do item 2. Ali se
diz que toda pessoa tem direito de recorrer da sentença a tribunal ou
juiz superior. É? E como ficam as ações de competência originária do
STF? Existe algum juiz ou instância superior? Que órgão haverá de
funcionar como o Supremo do Supremo? O próprio Supremo, desde que com
uma nova composição, mais favorável aos réus? Tenham paciência!
Cadê o precedente?
Afirmar, da mesma sorte, que ministros do
tribunal, os de agora e os de antes, já se debruçaram sobre o mérito da
questão e que há precedentes assegurando a existência dos infringentes é
outra mentira escandalosa. Como resta sabido e evidente, é a primeira
vez que o STF se confronta com a questão. Assim, não há precedente
nenhum. No máximo, há fragmentos de fala, caracterizando os chamados
“obter dicta” — considerações laterais de juízes, sem importância no
julgamento — dos quais se pode deduzir isso ou aquilo. Precedente não
há!
Regimento com força de lei?
Ainda que o Regimento Interno do Supremo
tivesse sido mesmo recepcionado com o valor de lei pela Constituição —
faz-se tal dedução com base no que havia na Constituição anterior (a
menos que me mostrem onde isso está escrito na Carta), o fato é que a
lei 8.038 regulou tudo o que os legisladores quiseram e acharam
conveniente sobre processo penal de competência originária dos tribunais
superiores, e não se diz uma vírgula sobre embargos infringentes. O
máximo que se encontra na Constituição, no Artigo 96, é isto:
Art. 96. Compete privativamente:
I – aos tribunais:
a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar
seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das
garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o
funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;
Haja largueza interpretativa para considerar que isso autoriza a sustentar que o Regimento Interno continua com força de lei.
Sem prazo para acabar
Entendam. O que o Supremo está a decidir é
se são cabíveis ou não os embargos infringentes — ou, por outra, se o
recurso sobrevive ou não no regimento. Ainda não são os embargos
propriamente, compreenderam? Caso se considere que sim, aí, meus caros,
só o diabo sabe o que pode acontecer. O Parágrafo único do Artigo 333
estabelece:
“Parágrafo único. O cabimento dos
embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de
quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em
sessão secreta”
Não se
especifica que tipo de voto, basta que seja “divergente”. Assim, é
enganoso supor que recorreriam ao expediente apenas os 12 que tiveram
quatro condenações. Abrem-se as portas para questionar também, podem
apostar aí, a dosimetria das penas — bastará que alguém tenha tido
quatro votos em favor de uma pena mais branda. Ainda que venham a ser
recusados, pouco importa. O fato é haverá uma tempestade de recursos
sobre o tribunal. E, como a gente sabe, há ministros por lá que não têm
pressa, não é mesmo? Não fiz o levantamento, mas deve haver muitos
casos.
Não,
senhores! Não é descabido supor que mesmo a atual composição do STF
poderia mudar sem que se concluísse o processo. Se não se aposentar
antes, Celso de Mello deixa a corte em novembro de 2015; Marco Aurélio,
em julho de 2016. Deliro? A dita Ação Penal 470 foi aceita pelo Supremo
em agosto de 2007. Estamos em setembro de 2013. Se duvidar, Teoria e
Rosa sem (em 2018), com o processo em andamento. Lewandowski, o homem
sem pressa, assume a presidência da Casa em novembro do ano que vem.
Encerro
Encerro este texto com algumas frases do ministro Celso de Mello:
“Isso [o mensalão] revela um dos
episódios mais vergonhosos da história política de nosso País, pois os
elementos probatórios expõem aos olhos de uma nação estarrecida,
perplexa e envergonhada, um grupo de delinquentes que degradou a
trajetória política”
“O poder tende a corromper. E o poder absoluto corrompe absolutamente”, citando Lord Acton
“Entendo
que o MP expôs, na denúncia que ofereceu, eventos delituosos
impregnados de extrema gravidade e imputou aos réus ações moralmente
inescrupulosas e penalmente ilícitas que culminaram, a partir de um
projeto criminoso por eles concebido e executado, num verdadeiro assalto
à administração pública, com graves e irreversíveis danos”.
Que Celso de Mello inspire Celso de Mello!
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