"Nós todos"

Jornal O Estado do Maranhão

          Venho eu com Davi, meu filho de 6 anos, seguro pela mão, na tentativa de chegar pela faixa de pedestre ao outro lado da via bem em frente da Maple Bear, escola onde ele estuda. Recentemente sua direção, em comum acordo com as autoridades, fez a aplicação, onde não havia, de sinalização de trânsito vertical e horizontal naquele segmento da avenida, de tal forma a dar mais segurança aos alunos e familiares. No entanto, quase fomos atropelados na faixa por pessoa que dirigia e falava ao celular, quando estávamos na metade da faixa, a caminho de alcançar o canteiro central, eu, ainda mais, com a mochila de Davi e a lancheira na outra mão. O motorista, tivemos sorte, deu um freio brusco e parou o carro a poucos metros de nós. Eu fiz sinais de que ele não deveria proceder daquela forma. Ele baixou o vidro e gritou: “Nós todos”. E foi embora.
          Ele queria dizer que todo mundo faz como ele. A generalização é indevida e sem nenhuma base nas estatísticas. Se a afirmação fosse verdadeira, seria muito mais elevada a taxa de acidente automobilístico em nossa cidade, comparada com a de hoje. Esta, atentem bem, já apresenta números próprios de situações de guerra. Dezenas de estudos feitos sobre o assunto mostram: tirar os olhos da via e dar uma rápida olhada no telefone equivale a trafegar por dezenas ou centenas de metros às cegas. Nada a discutir sobre isso. Porém, ainda que o condutor consiga discar sem visualizar o display, conversar ao telefone enquanto na direção tira a concentração, criando óbvios perigos à segurança de outros carros e dos pedestres. Melhor, senhor do celular, é não conversar ao telefone e dirigir simultaneamente.
          Não é minha intenção ficar repetindo fatos conhecidos todavia nem sempre levados em consideração pelas pessoas. Muitas vezes, no entanto, o óbvio tem de ser dito.
          Não sei se o leitor percebeu o sentido da resposta do infrator. Quando ele disse “nós todos”, em verdade estava tentando justificar sua transgressão pela menção a comportamentos supostamente semelhantes de todos os motoristas. Se estes agem errado sem aparente implicações danosas para eles e os demais cidadãos, então qual o mal em eu fazer o mesmo, pensará a nossa personagem. Ao levar esse raciocínio a suas consequências lógicas extremas, ele poderia dizer também que se alguém roubasse alguma coisa e não fosse apanhado, ele poderia igualmente roubar; se alguém matasse e não fosse parar na cadeia, ele poderia matar também, sem dor na consciência, qualquer desafeto por acaso encontrado na pizzaria do bairro. Quem age como ele agiu é como quem para em fila dupla na porta das escolas, estaciona em local proibido e ocupa vagas de idosos, anunciando: “É rapidinho. Volto já”.
          O mais tristemente interessante nessa atitude, semelhante àquela do personagem de Chico Anísio, de dizer “eu sou corrupto, mas quem não é?”, é que foi precisamente desse tipo a desculpa dada pelo PT a fim de justificar o mensalão. Disse um influente dirigente do partido, conhecido pelo nome de Lula: “Foi apenas caixa dois de campanha. Isso todo mundo faz”. Viu só, caro leitor, a semelhança com o “nós todos”?
          Vejamos agora dados do trânsito, no item que nos interessa, em São Luís. Segundo o Detran-MA, mais de 7 mil pessoas foram flagradas dirigindo e conversando ao celular no primeiro semestre do 2013. Não é a infração mais numerosa (excesso de velocidade é de longe a campeã, com quase 20 mil). Vamos supor que os 7 mil equivalham à metade de todas do tipo efetivamente cometidas. O total seria de 14 mil. Se no segundo semestre tivéssemos ocorrências em contagem igual, seriam 28 mil no ano, quantidade enorme, mas, mesmo assim, anos-luz distante do “nós todos”. É muita gente, sim, contudo não todo mundo.
          Essa mentalidade da lei que não pega, do “volto já, já” no trânsito, do “os outros fazem, eu também posso fazer”, do “deixa pra lá”, quando o cidadão abre mão de seus direitos, tem de desaparecer. Como diziam décadas e décadas atrás das saúvas: ou o Brasil acaba com essa mentalidade, ou ela acaba com o Brasil.

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