Djalma e Dominguinhos
Jornal O Estado do Maranhão
Um dos melhores
jogadores de todos os tempos acaba de falecer. Quem conhece um pouco da
história do futebol brasileiro pode avaliar a importância para o Brasil de
Djalma Santos e de muitos de sua geração, não apenas na arena futebolística,
mas da nossa autoidentificação como povo.
Antes de 1958, houve
cinco Copas do Mundo. Nas de 1930 e 1934, tínhamos equipes fracas por causa,
principalmente, das desavenças entre paulista e cariocas na hora de formar a Seleção:
o bairrismo impedia a escolha dos melhores. Em 1938, terminamos em terceiro
lugar e tivemos o artilheiro da competição, Leônidas da Silva. Ele era
conhecido como Diamante Negro e deu a um chocolate ainda produzido este nome.
Na Copa seguinte, de 1950, nosso time era excepcional, mas perdemos de 2 a 1 do
Uruguai em partida em que fizemos o primeiro gol e um empate apenas nos faria
campeões. Em 1954, na Batalha de Berna, assim chamada pela imprensa a partida
contra a Hungria, o bicho-papão da Copa, fomos eliminados.
Assim, chegamos à de
1958, na Suécia, com o sentimento de ser impossível ganhar a competição algum
dia. Se não tínhamos vencido nem em casa! Lembro perfeitamente – eu tinha 10
anos de idade – do descrédito da seleção, ainda mais levando um garoto de 16
anos, a completar 17 em pouco tempo, conhecido de não muitos. Anos depois vim a
ler uma famosa frase de Nélson Rodrigues: “Terminou o exílio da seleção. O
Brasil partiu rumo à Suécia”. O complexo de vira-lata do brasileiro, de que ele
falava, era bem real. Pouca gente acreditava no time e no país.
Fomos campeões,
oferecendo ao mundo magníficos espetáculos. Djalma Santos, jogador da Copa de
1954, conhecedor do gosto ruim da derrota, foi eleito o melhor jogador do
torneio em sua posição, apesar de ter jogado só a última partida, no lugar de
De Sordi, contra os anfitriões. Ele viria a jogar ainda nas Copas de 1962,
quando nos tornamos bicampeões, e 1966. Em 1963, foi o único brasileiro a fazer
parte da seleção da FIFA a jogar contra a Inglaterra em Wembley. Em várias
pesquisas ele foi eleito o melhor lateral direito de todos os tempos do mundo. Recebeu
o prêmio Belfort Duarte, dado aos jogadores com ao menos duzentos jogos
oficiais sem sofrer expulsões durante no mínimo dez anos.
A geração bicampeã
(1958/1962) ajudou a derrubar o vira-latismo brasileiro, junto com a implantação
da indústria automobilística no governo JK, o Cinema Novo, a eclosão da bossa nova,
etc., fazendo um bem danado ao país.
Ele se foi levando suas
duas estrelas de campeão do mundo, mas deixou uma via-láctea de exibições
elegantes e geniais das quais os brasileiros podemos nos orgulhar.
Outra grande perda
brasileira foi a do nordestino de Pernambuco, Dominguinhos. Ele não era apenas
um bom compositor e, às vezes, cantor de suas próprias composições. Era
arranjador e virtuose da sanfona. Convidado por Luiz Gonzaga, foi para o Rio de
Janeiro, onde seu conterrâneo já estava, e passou a fazer parte do grupo que
acompanhava o Rei do Baião.
Quem se detiver a ouvir
com cuidado o som de sua sanfona não deixará de perceber a sofisticação de suas
harmonias vindas de sua aproximação com a bossa nova, mas não só dela, também
do jazz, do choro (o jazz brasileiro), da música pop e de algumas variantes da
MPB. Veja-se como exemplo desse contato sua parceria com Gilberto Gil, autor da
letra de Abri a Porta. Gil gravou ainda um dos maiores sucessos de
Dominguinhos, Eu só Quero um Xodó.
Por suas origens em
Garanhuns e por sua história familiar e de vida, ele levou o baião, o xaxado e forró
um passo adiante de onde os deixou Gonzagão, mesclando-os com os elementos
trazidos daquelas outras vertentes musicais de corte mais urbano e universais mencionadas
acima, tanto que ganhou o Grammy Latino de música de 2007. Clássicas
tornaram-se muitas de suas canções. Fez música-música, nordestina, brasileira e
global.
Esses dois artistas deram contribuição decisiva para
nos convencer de quantos talentos temos entre nós. Quantos mais não se
desperdiçam por falta de oportunidades? Quantos deixam de vir à luz? Quantos?
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