Dragão à solta
Jornal O Estado do Maranhão
Em diversas ocasiões, neste jornal, fiz referências ao único e
importante mérito de Lula na Presidência da República: sua política econômica, aí
incluída a defesa da Lei de Responsabilidade Fiscal, fato assinalado, por
exemplo, em minha crônica do dia 13/12/2006. Ele manteve em quase tudo as
diretrizes “neoliberais” do período anterior ao seu: política monetária dura, com
autonomia de fato do Banco Central, como se percebe dos juros altos, pois ele
não desejava apertar demais a política fiscal, promovendo cortes profundos nas
despesas públicas.
Os “insaciáveis” banqueiros nunca ganharam tanto dinheiro como
então, pois ele não só fez uso da herança, como a levou a extremos, sobretudo
no lado monetário. Ninguém foi tão neoliberal como ele, companheiro. Ele pode
agora esbravejar contra o neoliberalismo, sem se preocupar com coerência. Seja
dito, porém, em seu favor que coerência pode ser apenas outro nome para
teimosia, recusa de ver a realidade.
Atribuo a dois fatores seu posicionamento: à influência de Delfim
Neto, a quem ele ouvia, apesar de outrora ter sido, esse ministro de governos
militares, a encarnação do próprio neoliberalismo. Também ponho sua atitude na
conta de sua intuição política. Ele percebeu que desarrumar a economia, na
ocasião no rumo certo, era risco político imenso. Imaginem se, no momento do
estouro do escândalo do mensalão, a inflação estivesse fora de controle e a
economia no chão. A queda era certa, como a do outro, das Alagoas.
Por que estou falando disso agora? Porque a situação com a
administração de Dilma é bem diferente e perigosa. Ela, nas folgas das lutas armadas
pela libertação dos pobres e oprimidos, frequentou algumas aulas de economia e
acabou se bacharelando. Tal feito, a levou a acreditar na própria capacidade de
fazer outra revolução, na teoria econômica pequeno-burguesa. Assumiu a
Presidência e decidiu dar provas da possibilidade de se ter ao mesmo tempo
expansão de gastos governamentais, em vez de corte, e juros baixos. Para chegar
a esse paraíso, tirou a autonomia do Banco Central e mandou expandir o crédito
fácil para o consumo das famílias.
O resultado negativo começa a aparecer com o estouro da meta de
inflação Para agravar as expectativas pessimistas dos agentes econômicos ela,
como um personagem de Nélson Rodrigues, ergueu a fronte, se adiantou no palco, tropeçou
na língua de Camões e quase cai no poço da orquestra (ainda existe isso?) e disse:
Não adotarei políticas que mirem o PIB, em nome do combate à inflação. Ora
bolas, nenhum governante, nenhum, repito, quer, só de mal, impedir o crescimento
“deste país”. É patologia imaginária. Por que razão o faria, se precisa dos
votos dos cidadãos? A história é outra.
O déficit exige fontes de financiamento. Estas são formadas pelos
tomadores de títulos emitidos pelo governo. Eles compram os papéis mediante a
promessa de um rendimento segundo determinada taxa de juros, que é o preço de
usar o dinheiro de terceiros. A taxa será mais altas quanto maior o déficit.
Portanto, juros altos resultam de mau comportamento do setor público e tentar
baixá-los artificialmente, como Dilma fez, é inútil. É como tentar tabelar
qualquer outro preço: não funciona ou, se o controle for efetivo, provoca
efeitos colaterais, neste caso pressões inflacionárias. O aumento de juros tem
o indesejado e inevitável efeito, ao frear a inflação, de diminuir a atividade
econômica. Não é questão de intenção de derrubar o PIB.
Mas, eu falava mais acima sobre como a situação agora é mais
perigosa. Lula percebeu o perigo. Delegou a gente qualificada a condução da
economia, com carta branca para adotar o “neoliberalismo”. Com Dilma é
diferente, não sabendo nada e achando que sabe tudo, decidiu que ela mesma seria
a ministra da Fazenda e a presidente do Banco Central, com as consequências
conhecidas.
A ameaça inflacionária é real. Não existe nunca “só um pouco” de
inflação, pois, tudo o mais constante, ela tende a subir. Melhor não atiçar o
dragão. Como o leão da canção de Roberto Carlos, ele também já está solto nas
ruas.
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