Justiça Federal concede liminar contra o bar Trapiche




 Conforme a imprensa noticiou nos últimos dias, a Justiça Federal concedeu liminar em Ação Civil Pública interposta pelo Ministério Púiblico Federal contra o bar Trapiche. Tanscrevo aqui: 1) resumo da decisão e 2) sua íntegra.

1) Resumo da decisão

Com tais considerações, DEFIRO o pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional para DETERMINAR aos requeridos, sob pena de multa diária de R$ 2.000,00, em caso de descumprimento total ou parcial:

1) a abstenção de realização de eventos, inclusive shows com som amplificado, que possibilitem a aglomeração excessiva de pessoas no Bar Trapiche/Clube 01 de Regatas;
2) a remoção, no prazo de 7 dias, de palcos, tendas, coberturas, toldos, tapumes ou quaisquer outros objetos ou construção utilizados para a realização de eventos que interfiram negativamente no Forte de Santo Antônio, inclusive de equipamentos instalados na areia da praia.
Quanto ao item 2, deverá o IPHAN providenciar a visita de agentes de seu corpo técnico a fim de identificar quais estruturas deverão ser removidas e notificar os réus para tanto, o que deverá ser informado nos autos e servirá como marco inicial para contagem do prazo acima fixado.
Ainda quanto o item 2, considerando não ter havido antecipação de tutela no processo n.0 92.833-0, sendo recebida apelação com efeito suspensivo, fica assegurado aos réus a manutenção das construções existentes à época da perícia realizada naqueles autos.
A multa não impede a adoção das medidas indispensáveis a garantir o cumprimento desta decisão (busca e apreensão, prisão em flagrante por crime de desobediência, remoção de pessoas e coisas, impedimento de atividades nocivas, indisponibilidade de bens e valores), se necessário, com requisição de força policial.DEIXO para apreciar o pedido de inversão do ônus da prova na fase de saneamento, na qual examinarei a necessidade de inversão ou mesmo distribuição do ônus da prova (princípio da cooperação).
FACULTO à UNIÃO e ao IPHAN manifestarem-se sobre eventual interesse em integrar a relação processual (Lei 7.347/85, art.5°,§ 2°). INTIMEM-SE.
Citem-se e intimem-se.
São Luís, 04 de fevereiro de 2013;

Ivo Anselmo Höhn Junior
Juiz Federal


2) Íntegra da decisão



PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE 1" INSTÂNCIA
SEÇÂO JUDICIÂRIA DO MARANHÃO
8ª VARA


PROCESSO N. 1885-75.2013.4.01.3700
CLASSE: 7100- AÇÃO CIVIL PÚBLICA
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉUS:    CLUBE 01 DE REGATAS
        ALEXANDRE HENRIQUES
                MARTINS JORGE
        RICARDO FERNANDES DE
                SOUSA

DECISÃO

I – RELATÓRIO
Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra o CLUBE 01 DE REGATAS, ALEXANDRE HENRIQUE MARTINS JORGE e RICARDO FERNANDES DE SOUZA, cujo objetivo é "promover a proteção da Fortaleza de Santo Antônio, bem tombado pela União, que se localiza no bairro da Ponta D’Areia, nesta capital ".
Em síntese, sustenta o MPF que o imóvel estaria exposto à situação de risco à sua integridade, provocada por ações decorrentes da exploração de atividade e de construções ilegais em estabelecimento localizado em seu entorno, denominado Bar Trapiche ou Clube 01 de Regatas.
Alega que o Forte sofre com o impacto sonoro e a grande movimentação de pessoas e de veículos pesados, fatos provocados pela realização de eventos de grande porte, e tem sua visibilidade prejudicada por construções indevidas que transgridem o art. 18 do Decreto-lei 25/3 7.
Pede o deferimento de antecipação dos efeitos da tutela para que sejam determinados: 1) a imediata
abstenção de realização de eventos (especialmente shows com som amplificado) que impliquem em aglomeração excessiva de pessoas no Bar Trapiche/Ciube 01 de Regatas, e 2) a remoção, no prazo de 72 horas, de palcos, tendas, coberturas, toldos, tapumes ou quaisquer estruturas, conforme identificado na Informação Técnica n. 373/2012-IPHAN, ou qualquer outra que possa interferir na visibilidade de ou na ambiência do Forte de Santo Antônio, inclusive de equipamentos instalados na areia da praia.
Inicial instruída com documentos (fls. 16/83).

II – PRELIMINAR
Destaco, preliminarmente, que esta ação civil pública tem por objeto a discussão acerca de alegados impactos negativos ao Forte de Santo Antônio em decorrência da realização de eventos no Bar Trapiche/Clube 01 de Regatas, provocados pela movimentação desordenada de veículos pesados e de pessoas, utilização de equipamentos de sonorização de grande porte e existência de estruturas que impediriam a visualização do bem tombado.
Não se confunde, portanto, com a Ação Ordinária n.0 92.00.00833-0, ajuizada pelo Município de São Luís contra o Clube 01 de Regatas e Alexandre Henriques Martins Jorge.
Naquele processo, discute-se a utilização irregular da propriedade, haja vista as construções pretéritas no Clube 01 de Regatas que reduziram a visibilidade do imóvel tombado, sem a autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN.[1]
O objeto da presente ACP também é distinto da ACP n. 40685-22.2012.4.01.3700, proposta pelo IPHAN contra o Estado do Maranhão, visando reformar de restauração no Forte de Santo Antônio. 

III- FORTE DE SANTO ANTÔNIO
O Forte de Santo Antônio[2] relaciona-se de modo importante com a história de São Luís, desde os anos seguintes à fundação da cidade.
Sua primeira construção, ainda em faxina e terra, é atribuída aos franceses, durante os combates de 1614, dos quais resultaram a expulsão dos fundadores e o seguinte domínio português.[3]
A esse respeito, já registrava em 1833, o historiador Cerqueira e Silva:

"Na manhã seguinte [1 de Novembro de 1615] desembarcou Alexandre de Moura na ilha de S. Francisco, pouco mais d'um tiro de canhão distante da fortaleza de S. Luiz, levantando ali uma fortificação de pau-a-pique, a que se deu o nome do forte da [sic] Sardinha, guarnecendo-o Bento Maciel Parente com a equipagem do seu navio, e passou a sitiar por mar os Franceses, que desanimando contra a expectativa de Ravardiere, fizeram com que este se rendesse, passando à ilha assinou logo um termo da entrega da colônia e evacuação da fortaleza, passando à Europa em três navios, que aprontou Alexandre de Moura, mais de quatrocentos franceses, ficando porém outros, que por estarem casados com Índias não quiseram acompanhá-los, e seguindo Ravardiere para Pernambuco com Alexandre de Moura, a 9 de Janeiro de 1616."[4]

No final do século XVII, a edificação rudimentar do Forte de Santo Antônio foi substituída por uma construção de pedra. CÉSAR AUGUSTO MARQUES, um dos mais importantes historiadores do Maranhão, aponta em seu "Dicionário"[5] referências documentais sobre essa época:

"A Câmara de São Luís em carta de 18 de fevereiro de 1689 escrevia ao governador dizendo: 'As obras da fortaleza da Ponta de João Dias, com as novas ordens de V. Sa., as largou por mão o Sargento-Mar Antônio de Barros Pereira, não sabemos se foi ordem de V. Sa. ou moto próprio, contudo ficamos de acôrdo em ir mandando carregar para ela pedra para que esteja ao pé da obra, e seguiremos no mais o que V. Sa.. ordenar. Por Carta Régia de 8 de outubro de 1691 consta que o governador do Maranhão dava princípio a esta fortaleza, com grandes dificuldades por falta de engenheiro, pedreiros, índios de serviço, materiais e cal do reino."[6]
O Forte de Santo Antônio passou por reformas, ruínas e reconstruções. Cerca de um século depois, ainda era estrategicamente importante para a defesa da cidade, conforme consta em relatório de 1797, encaminhado ao Governador da Capitania:

"O Ajudante-de-Ordens Luís Antônio Sarmento da Maia em 14 de março de 179 7 disse o seguinte a O. Fernando Antônio de Noronha: 'O reduto de Santo Antônio, fortificação passageira, mandada fazer por V.Exa., é o mais vantajoso pôsto por tôdas as razões, porque além de estar tão próximo à barra para a poder defender com muita vantagem, tem também a de não poderem os inimigos ataca-lo com grande frente por terra, e seria sem dúvida a máxima defesa desta cidade, se o dito reduto, em lugar de fortificação de campanha ou passageiro, passasse a ser construído de pedra e cal, com o mesmo risco, que já teve, o qual era um paralelogramo romboidal, oferecendo um dos seus maiores lados para a entrada da barra e um ângulo obtuso para dentro do canal."[7]

O Forte chegou a abrigar, por breves dias, um governo provisório formado pelos revoltosos de 1824, conforme registro de CÉSAR MARQUES:

"Em 14 de julho de 1824 o destacamento, aí estacionado sob o comando do 2° Tenente de Artilharia Manuel Joaquim Gomes, sublevou-se contra o Presidente Bruce, e constituiu um governicho com a denominação pomposa de Junta Temporária, sujeita à Junta Expedicionária da Freguesia do Rosário.
No dia 17 por ordem da presidência os fortes de S. Luís e de São Marcos cruzaram fogo contra esta fortaleza, incendiaram-lhe a casa da pólvora, e obrigaram os revoltosos a abandoná-la
."[8]

 
Esse breve relato demonstra o valor histórico do Forte de Santo Antônio. Sob diversas formas, construído e reconstruído com os materiais disponíveis em cada época, foi testemunha de eventos históricos importantes ao longo dos 400 anos da cidade de São Luís.[9]

IV- ANÁLISE DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
A concessão de tutela jurisdicional antecipada exige, nos termos do art. 273 do CPC, fundamento relevante e risco de ineficácia da medida caso seja deferida somente ao final do processo. Em resumo, a presença do que se convencionou chamar de fumus boni iuris e periculum in mora. 
Nesse sentido, é procedente o pedido de antecipação da tutela jurisdicional, referente à abstenção de realização de eventos (especialmente shows com som amplificado) que impliquem em aglomeração excessiva de pessoas no Bar Trapiche/Clube 01 de Regatas e a remoção de palcos, tendas, coberturas, toldos, tapumes ou qualquer outra estrutura que possa interferir na visibilidade ou na ambiência do Forte de Santo Antônio, inclusive de equipamentos instalados na areia da praia.
O primeiro dos pressupostos – prova inequívoca conducente à verossimilhança das alegações, consistente, em linhas gerais, na aproximação entre os juízos de probabilidade (cognição sumária) e de certeza (cognição exauriente) - está presente na medida em que a prova documental produzida demonstra que o imóvel em questão é bem tombado pelo Governo Federal (Processo n. 0930-T-75, do Livro Histórico - inscrição n. 455, de 03.08.1975).
A prova documental produzida pelo IPHAN e pela Defesa Civil demonstra que a estrutura do Forte encontra-se em estado de risco em razão da utilizacão inadequada pelos réus de propriedade localizada em seu entorno.
O relatório técnico elaborado por agentes de fiscalização do I PHAN noticia a realização de eventos de grande porte no entorno do Forte de Santo Antônio. O documento informa que a trepidação decorrente da sonorização nas proximidades do Forte e a movimentação excessiva e desordenada de veículos geram impactos negativos à sua estrutura.[10]
No mesmo sentido, o Relatório Técnico de Engenharia n. 039/2012 [11] , elaborado pela Defesa Civil/Corpo de Bombeiros, indica que, dada a proximidade ao imóvel tombado, "a região não é propícia para a realização de eventos externos rotineiros ou repetitivos, de grande demanda de público e carregamento concentrado".
O IPHAN afirma que, embora desejável a manutenção de eventos no local – pois a utilização e movimentação nos bens favorecem sua proteção e conservação - a destinacão dos imóveis próximos ao bem tombado não pode resultar em situacões prejudiciais à sua preservacão.
Nesse contexto, o procedimento administrativo que instrui a petição inicial indica que no Bar Trapiche/Ciube 01 de Regatas foram construídas estrutura de palco de grande porte e outras edificações como tapumes, coberturas, tendas, toldos, banheiros etc. (fotografias às fls. 57/61).
Naquele local realizam-se eventos que geram trânsito de veículos pesados e aglomeração excessiva de pessoas, circunstância não condizente com a preservação e proteção do imóvel tombado (Ofício 329/2012GAB/IPHAN/MA, fls. 1 7/18 e fotografias às fls. 19/21).
Tem se agravado ao longo do tempo a situação de degradação no entorno do Forte de Santo Antônio, ai incluindo construções indevidas no Bar Trapiche/Ciube 01 de Regatas e prejuízo à visibilidade e à ambiência do bem tombado.

IV.1 Ação Ordinária n. 92.833-0
Tramita nesta vara ação proposta pelo Município de São Luís contra o Clube 01 de Regatas e Alexandre Henriques Martins Jorge, tendo a União como assistente litisconsorcial do autor.
Naqueles autos, foi realizada perícia, cujo laudo foi apresentado em setembro/2006. O perito concluiu na ocasião, a respeito da área onde está instalado o Bar do Trapiche/Clube 01:

"1.2) Da Área
... segundo a Secretaria de Patrimônio da União-SPU, (...) tal área tem sua formação como terrenos de marinha e acrescido de marinha. Possui topografia em declive suave orientado no sentido da maré, solo arenoso com características de areia de praia (...)
Outrossim, (...) é parcialmente cercada e provida, em menos de sua metade, de vegetação nativa (típica de praia) de porte rasteiro e em fase de reconstituição, a qual se evidencia principalmente no lado esquerdo da área.
Verificou-se também que o referido parcelamento está localizado no entorno de outro, o qual abriga elemento construído de valor histórico/cultural, e tombado pela União Federal, tratando-se de obra de Arquitetura Militar Colonial denominada Fortaleza de Santo Antônio. (grifei)
IV –
(...)
De acordo com a localização presumida da Linha de Preamar Média (LPM) no trecho de praia da Ponta D 'Areia, entre as cotas 11 e 7, 5 do Levantamento Aerofotogramétrico, bem como o fato de a área em que se assenta o imóvel em questão se encontrar abaixo da COTA 5 desse mesmo levantamento, depreende-se que se trata de terrenos acrescidos de marinha, por sua vez incluídos entre os bens imóveis da União Federal. (grifei).

Disse o perito judicial, acerca da ambiência entre o Clube 01 e o Forte de Santo Antônio:

"2. 6) Distância entre as construções de que trata o litígio
Com relação à distância entre as duas construções envolvidas na questão, isto é, a Fortaleza de Santo Antônio e o imóvel predial do empreendimento do réu, anota-se que é de cerca de 25,00 m, entre os pontos mais próximos, e da ordem de 54,50 m entre os seus pontos mais distantes (. .. )

Finalmente, a respeito dos danos causados ao Forte de Santo Antônio:

"2) Tendo em vista, no presente caso da fortificação relacionada ao imóvel do objeto da lide, que existe uma íntima relação entre esta construção (o Forte) e o mar, portanto, não se podendo excluir este elemento da ambiência, outrossim, que uma edificação que está por ser erguida só deverá sê-lo na medida em que não interfira significativamente no espaço envolvente de outra(s) ali existente(s), observando-se ainda que tal entendimento extrapola o aspecto pura e simplesmente visual, depreende-se que a edificação do Clube 1 de Regatas, em virtude da proximidade e por ter massa construtiva, relativamente àquela da Fortaleza de Santo Antônio, bastante representativa, de fato promove uma alteração do meio onde esta última está inserida.”

Já em 2006, portanto, perícia indicava que as construções na área do Clube 01 de Regatas interferiam negativamente no ambiente do Forte de Santo Antônio, tanto em razão de afetar a visibilidade, quanto pela volumetria das estruturas.
Deve-se ressaltar que as construções atuais são muito maiores do que aquelas encontradas pelo perito, em 2006.
O laudo pericial então produzido registra que a altura máxima da construção em relação do nível do terreno era de 4,10 m.[12]. Hoje, apenas o palco (tenda de estrutura metálica em forma de concha) possui cerca de 9m de altura.[13]

Os pedidos formulados na Ação Ordinária n.0 92.833-0 foram julgados procedentes, ou seja, os réus foram condenados a demolir as construções descritas naquele processo.[14]
Considero relevante transcrever parte da sentença proferida naqueles autos pelo Juiz Federal José Carlos do Vale Madeira:

"( ...) o tombamento encontra-se disciplinado infraconstitucionalmente pelo DL 25, de 30 de novembro de 1937, sendo essa norma precursora no trato da proteção do patrimônio cultural brasileiro e detentora, a despeito de seu longo tempo de existência, das regras básicas deste instituto, que foram recepcionadas e revigoradas pela vigente Constituição Federal.
(...)
Levando em consideração o precioso acervo arquitetônico da cidade de São Luís, e tendo por suporte legal o aludido DL 25137, o Poder Público houve bem efetuar, ainda na década de setenta, o tombamento de um número considerável de prédios, públicos e particulares, intervindo, assim, no direito de propriedade.
No caso vertente, o dano causado pelos Réus ao patrimônio histórico da cidade de São Luís decorre da construção da sede de um clube na vizinhança de imóvel tombado pela União, reduzindo sua visibilidade e sem que tenha havido autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Ante essas conclusões, afigura-se relevante enfatizar que, entre os efeitos do tombamento, inclui-se a proibição dos proprietários de imóveis vizinhos, construírem prédios que impeçam, reduzam ou alterem a visibilidade da coisa tombada.
Cuida-se de instrumento que visa conferir eficácia à preservação do bem cultural, porque, e parece óbvio, o tombamento, sem outros recursos que assegurem a visibilidade ou a integração do bem tombado à paisagem, não teria razão de ser.
Nessa perspectiva, constitui-se a 'área de entorno' ou 'área envoltória', na qual o modo de urbanização e a escala das construções erguidas podem interferir na visibilidade do imóvel ou conjunto arquitetônico tombados.

O art. 18 do Decreto-lei 25/37 impõe limitações aos imóveis vizinhos e exige prévia autorização do IPHAN para construções no entorno:

Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de cinquenta por cento do valor do mesmo objeto.

Como bem ressaltou o Ministro VICTOR NUNES LEAL, no julgamento do RE 41.279/DF, "não se trata de simples visibilidade física, mas da visibilidade de um ponto de vista estético ou artístico, porque está em causa a proteção de um monumento de arte...".[15]
No caso analisado nestes autos, foram acrescidas construções àquelas já encontradas no momento da sentença do processo 92.833-0. E não houve autorização prévia do IPHAN.
Observo que a Defesa Civil do Corpo de Bombeiros informou que "a região não é propícia para eventos externos rotineiros ou repetitivos de grande demanda de público e carregamento concentrado". Ao mesmo tempo, disse ter restringido a ocupação do Clube 01 para o máximo de 380 pessoas (fls. 69/70).
A foto de fl. 21 demonstra que a realização de shows no Bar Trapiche/Clube 01 atrai grande quantidade de pessoas.
A Defesa Civil também relatou que "o fluxo intermitente [de carros de passeio é pernicioso." E que "veículos de grande porte não devem ser liberados, salvo situações extemporâneas" (fls. 69/71).

V - CONCLUSÃO
Em exame de cognição sumária, há elementos que indicam degradação da ambiência no entorno do bem imóvel tombado, estando afetada a visibilidade do Forte de Santo Antônio.
Da mesma forma, é sugestivo o risco de dano à própria estrutura do Forte, causado tanto pelo impacto de ondas sonoras geradas por potentes equipamentos, quanto em razão do trânsito de veículos pesados.
De inteira aplicabilidade o princípio da prevenção, por meio do qual se busca a melhor (mais eficaz) forma de tutela do meio ambiente contra os danos que se mostram manifestos à vista do grau de verossimilhança dos fatos, os quais sugerem o elevado potencial lesivo do empreendimento.
Cabe ressaltar que na ideia de prevenção considera-se a cessação de atividade real ou potencialmente danosa, ou seja, aquilo que se conhece no âmbito doutrinário como prevenção pela correcão na fonte, com a supressão ou impedimento de atividade ou comportamento que esteja na origem da situação ilícita, evitando-se a criação e/ou agravamento do dano ao meio ambiente.
Nesse contexto, a continuidade da realização de eventos pode servir à consolidação da situação de grave degradação do monumento.
 Com tais considerações, DEFIRO o pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional para DETERMINAR aos requeridos, sob pena de multa diária de R$ 2.000,00, em caso de descumprimento total ou parcial:
1) a abstenção de realização de eventos, inclusive shows com som amplificado, que possibilitem a aglomeração excessiva de pessoas no Bar Trapiche/Clube 01 de Regatas;
2) a remoção, no prazo de 7 dias, de palcos, tendas, coberturas, toldos, tapumes ou quaisquer outros objetos ou construção utilizados para a realização de eventos que interfiram negativamente no Forte de Santo Antônio, inclusive de equipamentos instalados na areia da praia.
Quanto ao item 2, deverá o IPHAN providenciar a visita de agentes de seu corpo técnico a fim de identificar quais estruturas deverão ser removidas e notificar os réus para tanto, o que deverá ser informado nos autos e servirá como marco inicial para contagem do prazo acima fixado.
Ainda quanto o item 2, considerando não ter havido antecipação de tutela no processo n.0 92.833-0, sendo recebida apelação com efeito suspensivo, fica assegurado aos réus a manutenção das construções existentes à época da perícia realizada naqueles autos.
A multa não impede a adoção das medidas indispensáveis a garantir o cumprimento desta decisão (busca e apreensão, prisão em flagrante por crime de desobediência, remoção de pessoas e coisas, impedimento de atividades nocivas, indisponibilidade de bens e valores), se necessário, com requisição de força policial.DEIXO para apreciar o pedido de inversão do ônus da prova na fase de saneamento, na qual examinarei a necessidade de inversão ou mesmo distribuição do ônus da prova (princípio da cooperação).
FACULTO à UNIÃO e ao IPHAN manifestarem-se sobre eventual interesse em integrar a relação processual (Lei 7.347/85, art.5°,§ 2°). INTIMEM-SE.
Citem-se e intimem-se.
São Luís, 04 de fevereiro de 2013

Ivo Anselmo Höhn Junior
Juiz Federal




NOTAS
[1] Poder-se-ia cogitar de conexão (art. 103 do CPC), todavia já foi prolatada sentença na Ação Ordinária n.0 92.833-0, afastando-se a reunião dos processos (Súmula 235/STJ).
[2] Outras denominações: Forte de Santo Antônio da Barra de São Luís, Forte da Ponta D 'Areia, Forte de Santo Antônio da Barra de João Dias.
[3] SOUSA, Augusto Fausto de. Fortificações no Brazil. RIHGB. Rio de Janeiro: Tomo XLVIII, Parte II, 1885. p. 5-140. Apud: <<http://fortalezas.org/index.php?ct=fortaleza&id_fortaleza=142>>
[4] CERQUEIRA  E SILVA,  Ignácio Accioli de. Corografia  Paraense ou Descripção  Física,  Histórica e Política da   Província do Gram-Pará. Bahia: Typografia do Diário, 1833. Apud:<<http://fortalezas.org/index.php?ct=fortaleza&id _fortaleza=142>>
[5] MARQUES, César Augusto. Dicionário Histórico Geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Cia. Editora Fon-Fon e Seleta, 1970. 3a ed. 683 p. (1a edição: 1870).
[6] Op. Cit. p. 283.
[7] Op. Cit., p. 283.
[8] Op. Cit., pp. 283/284.
[9] Informações acerca do Forte de Santo Antônio, no site "Fortificações no Mundo", do Projeto Fortalezas Multimídia, da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC: < <http://fortalezas.org/index.php?ct=fortaleza&id_fortaleza=142> >
[10] fls. 54/61.
[11] fls. 68/71
[12] fls. 233 do processo n. 92.833-0.
[13]  fls. 54 destes autos.
[14] O processo n. 92.833-0 encontra-se em processamento da apelação interposta pelos réus Clube 01 de Regatas e Alexandre Henriques Martins Jorge.
[15] O STF, então, deu provimento ao Recurso Extraordinário e determinou a demolição, com fundamento no art.18 do DL 25/37, de um edifício construído à distância de 63 metros da Igreja da Glória, no Rio de Janeiro.

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