A outra face
Jornal O Estado do Maranhão
Ouço que Gilberto Kassab, atual prefeito de São Paulo, convidou o recém-eleito, o petista Fernando Haddad, a se juntar a ele na defesa da candidatura da cidade à World Expo 2020 (Exposição Mundial 2020), na sede do Bureau Internacional das Exposições – BIE, em Paris. O encontro é realizado a cada cinco anos, desde 1851, com a participação atualmente de 160 estados-membros. O tema em 2020 será Conectando Mentes, Criando o Futuro, ocasião em que, serão apresentados, entre outros, projetos e experiências urbanos inovadores e promissores. O atual prefeito e o futuro passarão alguns dias juntos na chamada Cidade Luz. A presidente Dilma também irá.
Dito assim, sem esclarecimentos, a atitude de Kassab pode parecer tão somente uma demonstração de amadurecimento cívico, urbanidade, educação, civilidade ou qualquer coisa parecida. Pelo menos assim diriam os analistas políticos ou os famosos especialistas de TV. Eles, como se sabe, estão errados em 99% de suas tentativas de analisar alguma coisa e seus palpites só se revelam certos quando dizem o óbvio que o Zé da Silva ali da esquina também diria até numa linguagem mais compreensível.
Mas, de fato, é sinal de boa educação. É como se deve proceder numa democracia, caso não haja outras coisas por trás da história.
Mas, esperem aí. Esse gentil cavalheiro não é o mesmo de algumas semanas atrás, quando foi carimbado por Haddad, durante a recente campanha eleitoral municipal, como a besta-fera que apoiava José Serra, símbolo de tudo de ruim existente num dirigente público, incompetente, responsável por uma péssima administração e tantas coisas ruins mais? É difícil de acreditar, mas é ele mesmo.
Não estou dizendo, vejam bem, que adversários de hoje não devam estar juntos amanhã ou, ao contrário, amigos eternos em dados momento não possam se tornar inimigos jurados de morte mais adiante. Não é isso. Eu entendo que a vida política não apenas permite isso como, até, exige. A não ser assim e caso fossem adotados na vida pública, quanto a amizades e inimizades, os mesmos critérios usados nos relacionamentos pessoais, não haveria política, pois quem nela está almeja o poder e, para isto, é obrigado a conciliar, a transigir, a procurar pontos de convergência, não de divergência, a tentar colocar a seu lado antigos adversários, porque é essa a forma de alcançar seu fim, dentro das regras do jogo.
Eu falo de outra coisa. Falo da necessidade de uma dose, pequena embora, de decoro. O PT elegeu em São Paulo 11 vereadores, o PSDB, 9 e o PSD, de Kassab, 8. Outros 12 partidos elegeram 4 ou menos cada um, chegando em conjunto a 27. Reflita, caro leitor, sobre isto. Menos de 48 horas após a divulgação do resultado da eleição, Kassab já havia decretado a ida dos 8 vereadores de seu partido para a base de apoio do prefeito eleito, transformando o grupo de 17 vereadores de oposição, ou quase 40% do total (sem levar em conta os oposicionistas nos restantes 27) em apenas 9, do PSDB, ou 20%. Isso me faz lembrar a história do sujeito lá na Bahia que rompeu o namoro com a filha de um humilde funcionário público e na semana seguinte noivou com a de um próspero empresário sem constrangimento algum, na maior seriedade.
As regras e os hábitos do jogo político no Brasil, por óbvio, são permissivos e muito se ganharia em modificá-las. O eleitor não deveria ser deixado à mercê das conveniências de qualquer candidato que se elegesse com um discurso antigovernista e, no dia seguinte, aderisse ao governo. Isso é enganar os eleitores, ludibriar sua confiança, abusar de sua boa fé. O eleito os consultou ao pedir votos a eles. Qual a razão de não fazê-lo também na hora de mudar de lado, de passar de oposicionista a governista? Aliás, é raro, raríssimo ver alguém fazer o caminho inverso, de governista a oposicionista. A partir de agora Kassab será um grande homem e excelente administrador, não tanto quanto Marta Suplicy ao ocupar anteriormente o mesmo cargo, claro. Ficará o dito pelo não dito e o outro lado da face dele somente será esbofeteada se necessário, de maneira bem cristã.
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