Os 400: ao debate
Texto publicado na revista que saiu com a edição de 8/9/2012
do jornal O Estado do Maranhão
Não é incomum, a respeito da fundação de São Luís, ouvirem-se perguntas, geralmente de naturais de outros Estados, sobre as marcas culturais deixada pelos franceses aqui, porque a cidade foi por eles fundada, raciocinam os curiosos. Nenhuma há, eu digo. Não são nem nunca foram surpreendentes questionamentos desse tipo, pois é lógico pensar assim, caso quem indague não saiba que foi de apenas três anos a presença deles nestas terras no século XVII, de 1612 a 1615. Afinal, não se pode exigir de não maranhenses esse conhecimento, a não ser que se trate de um especialista no estudo da história ou de pessoas bem informadas. Muitos maranhenses também se surpreendem com tão curto período!
Houve de fato grande influência da França no Maranhão, mas apenas a partir do século XIX, como houve em todo o Brasil na literatura, nas artes plásticas, na música clássica e em várias outras áreas da cultura, porém nem de longe relacionada com a França Equinocial. A proeminência francesa, com base em sua maior força econômica em comparação com as outras potências mundiais da época, foi aos poucos declinando numa dinâmica de competição com a Inglaterra, até o surgimento de uma força econômico-cultural global inconteste, os Estados Unidos, no século XX, mas cuja ascensão se iniciou ainda no anterior e se consolidou após a Segunda Guerra Mundial.
Pensar sobre isso por ocasião das comemorações sobre a passagem da data oficial comemorativa dos quatrocentos anos da cidade me leva a um importante tópico de estudos históricos, lamentavelmente não discutido em 2012. Trata-se da visão alternativa sobre nossa fundação, defendida pela professora Maria de Lourdes Lauande, mas não apenas por ela, pois nas nossas próprias Universidades e fora delas há defensores, não “achistas”, e competentes praticantes do ofício de historiador, da hipótese “lusitana” da professora, em oposição à francesa, para o início de São Luís.
Não trago o assunto à consideração pública com o objetivo de defender tal posição, mas a fim de afirmar que ela não pode ser descartada com um simples dar de ombros ou com um “isso é besteira”. A hipótese francófila, hoje majoritária, tem muitos e respeitáveis defensores, todos estudiosos sérios da matéria. No entanto, o critério de verdade científica não pode ser numérico ou ideológico. A “besteira” tem de ser mostrada e demonstrada. Por outras palavras, a hipótese alternativa tem de ser desmentida com as técnicas de testes aceitas pela comunidade científica. Assim, um grande seminário poderia ser feito, sob a coordenação de nossas instituições acadêmicas – ainda há tempo para isso este ano –, em que uma discussão proveitosa das duas visões pudesse ocorrer.
O progresso científico é feito assim, pelo debate de ideias, pelo confronto civilizado e bem intencionado das divergências, pelo estudo sério e sistemático, pela consideração bem educada do ponto de vista alheio. Em tal encontro, inevitavelmente, penso eu, surgiriam interessantes debates de questões prévias à fundação propriamente dita. O que caracteriza, afinal, fundar um núcleo urbano? Há um conceito aplicável a todas as épocas e a todos os lugares? Não estaremos caindo na armadilha de aplicar conceitos de hoje inadequados a fatos históricos tão distantes no tempo? Qual o papel dos mitos fundadores e das “épocas de ouro” na criação de uma consciência comunitária ou de um sentimento nacional útil à consolidação de uma sociedade em formação?
Outro interessante conceito deve ser debatido: a “fundação letrada” das cidades – oposto à fundação pelas armas – usado pela professora Andrea Daher, que fez uma palestra nas comemorações do centenário da Academia Maranhense de Letras, quando eu ocupava a presidência da instituição em 2008, no seu O Brasil francês - as singularidades da França Equinocial (1612 – 1615. Na obra ela compara os diferentes discursos letrados de ordens religiosas francesas e portuguesas, sobre a fundação, no trabalho delas de catequese dos índios, e mostra a aderência de tais discursos aos interesses estratégicos de seus países de origem, França e Portugal.
As possibilidades são incontáveis, em benefício dos estudos sobre nossa história. Falta tornar reais as discussões, não permitir que sejam eternamente potenciais. Ao debate, então.
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