Degradantemente
Jornal O Estado do Maranhão
Todo mundo deve se lembrar, pois a coisa causou surpresa. Nos jardins da mansão de Paulo Maluf, com quem o PT gastou durante anos toneladas de saliva e tinta, não propriamente com o fim de elogiá-lo, mas mostrá-lo como o dragão da maldade, da desonestidade, da corrupção, da falta de escrúpulos, da cara de pau, da embromation, o representante dazelites insensíveis e exploradores dos trabalhadores, o adepto do capitalismo selvagem e voraz, nos jardins de Maluf, como eu ia dizendo – não na sede do PT ou na do partido do novo aliado –, reuniu-se este com Lula e um coadjuvante, Fernando Haddad, candidato a prefeito de São Paulo, com o fim de deixar bem claro a todos que a partir daquele dia o Partido dos Trabalhadores (representante dos explorados por seu parceiro de agora, pode-se supor da retórica petista anterior à aliança com o malufismo) e seu ex-eterno adversário passariam a seguir juntos pela vida política. E tome fotografias dos três. Era de ver as caras do trio.
Os bônus e ônus de tal aliança estariam evidentes a todos e especialmente aos eleitores paulistanos na eleição municipal no próximo mês. Lá pelas tantas o pobre do Haddad começou a dizer que em caso de vitória de sua candidatura seu aliado não levaria nada, não teria secretarias, influência na administração municipal, etc. A levarem-se a sério suas declarações, não houve um acordo, mas a submissão do malufismo ao petismo, pois em verdadeiros acordos todos os participantes ganham (e perdem) alguma coisa. Neste esdrúxulo caso, as vantagens seriam todas apenas de um dos lados. Por definição, um não acordo.
Pois bem, leio e ouço agora uma notícia em que a princípio me recusei a acreditar. Levei uma boa meia hora tentando convencer a mim mesmo da correção de minha leitura. Mas, o negócio era tão, como posso dizer, degradante, é, isso, degradante que eu continuei a pensar um pouco mais. Transcrevo a notícia, como dada na Folha de S. Paulo, de maneira a dar ao leitor a oportunidade de fazer seu próprio julgamento. Vejam, por favor, se eu perdi alguma coisa ou se foi Haddad quem perdeu a vergonha: “Ao tentar proibir na Justiça Eleitoral um comercial de José Serra (PSDB), a campanha de Fernando Haddad (PT) afirma ser "degradante" a associação de sua imagem à de José Dirceu e de Delúbio Soares, seus colegas de partido, e à de Paulo Maluf, que integra a sua coligação.” Eu li de novo, desta vez acreditando ter lido tudo ao contrário. Quando terminei, li mais uma vez. Quem sabe o candidato do PT não havia dito “degradante”, mas algo como “instigante”, palavra tida em alta conta pelos resenhistas de livros na grande imprensa, quando falam de livros de que gostam. Ou talvez tenha sido “elegante”, ou “retumbante” ou um mero “irrelevante”, talvez “beatificante”, “brilhante”, “chamejante”, “confortante”, qualquer coisa, menos “degradante”.
O leitor, que é bastante esperto, já percebeu a razão de meu espanto. O sujeito, comandado por Lula, se adianta no palco, chega perto do distinto público e anuncia, sem corar e sem que lhe tremam os músculos da face: eu e este homem somos irmãos agora. Daí a algumas semanas quer proibir a propaganda eleitoral de um adversário na disputa pela prefeitura porque ele o associou exatamente a quem? Aos candidatos a prefeito de São Paulo, Celso Russomano, José Serra, Gabriel Chalita, Soninha? Não e não, a propaganda o associa, quanta surpresa, a Paulo Maluf, repito Paulo Maluf, esse mesmo com quem o candidato do PT posou numa sessão se fotos.
Já nem quero falar da rejeição a José Dirceu e Delúbio Soares, réus de alto coturno no STF por causa do mensalão e companheiros do candidato petista desde criancinhas. Isso é assunto deles. Sabe-se, porém, que a rejeição é eleitoreira, é de brincadeira, não vale nada. Nos bastidores José Dirceu continuará sendo amado pela turma, condenado ou não no tribunal.
Mas a história com o malufismo é diferente. Ela revela a mentalidade petista do uso instrumental de supostos aliados unicamente para seus próprios fins. É a ética companheira na prática.
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