Tudo melhor


Jornal O Estado do Maranhão

          Assim como os povos e nações, as pessoas têm uma era de ouro por elas imaginada em tempos recuados em que tudo de bom aconteceu. Viver era fácil, o estresse diário não existia, a violência urbana era quase inexistente e por aí vai. Não importa que os alimentos fossem feitos em fogões a lenha com as cinzas temperando os alimentos; o leite in natura, entregue diretamente nas casas, sem nenhum tratamento, em grandes recipientes de metal sem higiene; os meios de comunicação, precários; a televisão, em preto e branco e cheia de fantasmas; a recepção das estações de rádio, uma chiadeira só; as estradas, sem asfalto e muito mais. Bom mesmo era naquele tempo...
          Eu mesmo tive a minha era dourada quando estudava nos Estados Unidos. Depois de dois, três anos naquele país, mais ou menos na metade de meu tempo lá, comecei inconscientemente – eu vi depois – a selecionar lembranças ligadas a São Luís. Só restaram as boas, expulsas as dolorosas. Nem o calor sem brisa nos meses mais úmidos do ano, tão incômodo para mim, se salvaram da faxina. Eu só me lembrava dos gostosos grandes ventos, como os de agora, das escolas, das peladas, dos jogos de botão, de todas as brincadeiras do tempo de criança. Aqueles, sim, foram bons tempos, eu pensava!
          Mas, claro, a realidade do passado era outra, bem mais dura. Tomemos, entre os costumes, o caso da separação de casais. Não havia divórcio no país quando eu era garoto, apenas o desquite, equivalente à separação judicial atual, que não permitia novo casamento. Pelos padrões do tempo, a separação, não importando o motivo, mesmo, para exemplificar, que o marido tivesse meia dúzia de amantes, não era bem vista e punha nos desquitados e seus filhos o carimbo do desajuste social. Não ficava bem as crianças das “famílias de bem” se misturarem com filhos de desquitados.
          Em muitas escolas, especialmente naquelas ligadas a denominações religiosas, frequentadas pela média burguesia da cidade, meninos e meninas por acaso e sem culpa nenhuma, eram objeto de comentários, que nunca chegavam a ser ostensivos, mas mesmo assim, constrangedores, sobre a separação dos pais.
          Era raríssimos os casos de o pai ficar com a guarda dos filhos e ainda hoje não é tão comum. Então a mãe, quase sempre numa posição de dependência econômica, incutia o ressentimento dela nos filhos, contra o pai. Estes passavam a ter uma visão unilateral daquele. O ex-marido, quase ex-pai, passava a ser o homem que, só por ser mau caráter, e não por não aguentar mais a companheira, arranjou outra mulher, por sua vez mera aventureira desclassificada, interessada tão só em dar bem na vida por meio da conquista do marido alheio. Não importava que a ex-mulher fosse uma serpente do Nilo.
          As esposas deviam aguentar as infidelidades dos esposos e estes as jararaquices delas. Nesse ambiente conturbado e envenenado poucas pessoas ficavam surpresas com o ódio de filhos contra o pai. Não foram poucos os personagens de Nelson Rodrigues cuja criação foi inspirada em tragédias dessa natureza.
          Houve mudanças profundas. Os divorciados convivem muito bem e os filhos dos segundos casamentos de ambos mais ainda uns com os outros. São poucos, mas, ainda assim, lamentáveis os casos de distanciamento entre o pai e os filhos do primeiro casamento. São a exceção, ainda bem.
          Pode-se perceber, com essas considerações em mente, a grande mudança, para melhor. Em muitos outros aspectos, a sociedade brasileira transformou-se bastante. Em minha infância, eu encontrava com muita frequência pessoas inteiramente analfabetas, gente que jamais havia posto os pés numa escola. Atualmente, todos têm acesso ao sistema educacional, infelizmente ainda de péssima qualidade na média, com tendência a piorar com a lei de cotas recentemente aprovada no Congresso.
          Não quero terminar sem mencionar o moderno costume dos jovens que, se existente em minha época, seria saudado como verdadeira revolução: esse negócio de ficar. Se até namorar a sério já era difícil, imaginem “ficar” sem compromisso. Melhorou ou não melhorou?

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