Reggae no Samba
Jornal O Estado do Maranhão
Passada a euforia do Carnaval, é possível observar um fenômeno interessante sobre o qual neste jornal algumas vezes escrevi um tanto solitariamente, pois era e sou o único a fazê-lo: o aumento da aceitação do reggae pela classe média. Foi isso que se viu na Marquês de Sapucaí no desfile da Beija-Flor. Ela trazia, nas homenagens feitas a São Luís, com o incentivo da governadora Roseana Sarney, e a Joãosinho Trinta, referências a esse ritmo na letra de seu samba-enredo e na sua formação com milhares de componentes, entre os quais o reggae se encontrava representado.
Qual a tônica de minhas afirmações feitas no decorrer de mais de 10 anos? Permitam-me responder com autocitações um pouco longas retiradas de textos que se iniciam no já distante ano de 2001. Em 14 de janeiro, eu expunha meu ponto de vista:
Sua penetração é sinal de força, de algo que fala à nossa cultura popular, talvez o elemento africano, tão presente entre nós. Foi aceito pelo povo, tem o que lhe dizer. Não importa a origem na Jamaica ou na Patagônia. Ou será que a influência americana é a única boa? Atenas é tão estrangeira quanto a Jamaica. [...].
O povo maranhense foi capaz de criar um reggae original com sotaque próprio. Não é mais o da Jamaica nem é imitação. Já tem até site na Internet anunciando shows aos sábados, em São Paulo, “ao estilo maranhense”.
Eu defendia ainda nesse texto, e continuo a fazê-lo, a sua profissionalização (alguns dizem comercialização em sentido pejorativo), concluindo que nisso ele segue os exemplos do Bumba-meu-boi, do samba, da música sertaneja, do Carnaval e do futebol. Qual o motivo de somente a ele se querer interditar esse caminho? Ao ter a oportunidade de segui-lo, investimentos são feitos e empregos são criados com todos os efeitos multiplicadores positivos sobre a geração de renda para amplos setores da população. Acrescento isto: coisas boas e negativas são criadas pela indústria da cultura de massas de que o reggae hoje é parte. Uma possível e idealizada “pureza” de origem fatalmente se altera quando exposta no mercado. Não se pode ter tudo ao mesmo tempo.
Em 24 de agosto de 2003, ao falar da realização em São Luís do Reggae Roots Festival eu dizia:
Hoje, apesar das resistências e preconceitos, já enfraquecidos, porém, como se viu pela presença de muita gente de classe média no evento, o reggae é uma marca maranhense, sem prejuízo de nossas tradições. Estas, ao contrário, se enriquecem com o aporte de elementos importados [...].
[...] não se pode falar de cópia, mas de um processo espontâneo de absorção e diges-tão de elementos de fora, algo semelhante, sem a mesma autoconsciência, à antropofagia, de que nos falavam Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e outros modernistas.
Era a defesa contra o argumento dos seus adversários acerca da “impureza” de suas origens na Jamaica. O festival revelou, ainda, a existência uma estrutura profissional aqui, em condições de dar suporte ao movimento regueiro e organizá-lo comercialmente. A profissionalização não é tão somente bem-vinda, ela é desejável. Eu terminava assim:
Outras manifestações com forte influência africana também já foram discriminadas no Brasil, mas depois passaram a ser vistas como parte de nosso patrimônio cultural. Agora, não será diferente.
Finalmente, em 2005, a 9 de janeiro, eu falava da
notória reação contra o reggae em nosso meio. Podemos importar o futebol (football), mas não o reggae; o Natal, mas não o reggae; o Papai Noel (São Nicolau), mas não o reggae; e assim por diante. [...]. Amalgamado com traços culturais há mais tempo por estas praias, produziu algo nosso, que por sua vez continuará a sofrer mudanças, como todas as coisas vivas.
As diferentes visões sobre o reggae reproduzem velha controvérsia sobre mudança e permanência e sobre influências culturais exóticas. A mim, me parece que ele tem crescido com pouco ou nenhum apoio do setor público, evidência de sua força e de seu enraizamento no povo. Quantas manifestações populares de hoje passariam no teste de sobreviver com suas próprias forças?
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