A favor de Papai Noel
Engana-se quem pensa que Papai Noel distribui brinquedos aleatoriamente, sem se preocupar com as consequências de seu apostolado. O bom velhinho obedece a critério claro e objetivo, bastante antigo, usado desde o início de sua autoimposta tarefa de andar pelo mundo no dia do nascimento de Jesus Cristo: a crianças ricas, presentes ricos; a pobres, pobres; a remediadas, remediados. Nada mais acertado. Com a sabedoria acumulada em séculos de trabalho, ele entendeu as dificuldades de oferecer aos miúdos brinquedos iguais com respeito ao preço e resolveu dar a desiguais tratamentos desiguais.
Oferecer só os mais caros às crianças exigiria recursos não disponíveis em seu orçamento, limitado como todos os orçamentos. A saída, dados seus parcos recursos, desfalcados por altos impostos do governo da Lapônia, local onde ele mora, poderia ser a doação somente daqueles brinquedos de preço médio, situado entre o mais alto e o mais baixo. Contudo, como fino conhecedor da natureza humana, ele deve ter visto logo as dificuldades de adoção de tal critério.
Os ricos reclamariam imediatamente porque esperariam mimos compatíveis com sua autoproclamada importância social. Quem sabe exigiriam para seus filhos um desses brinquedos recheados com as mais modernas tecnologias; ou um smartphone da Apple, não um simples e comum celular. Todavia, os garotos receberiam coisas muito mais modestas, já banalizadas pelo consumo de massa. A insatisfação desse pessoal seria fonte certa de agitação e revolta, nem sei se das crianças, mas de seus pais, preocupados com o frágil bem-estar espiritual de seus herdeiros. Ninguém poderia garantir, nessas circunstâncias, a estabilidade política da nação e a felicidade do povo.
Os pobres, pobres coitados, ficariam inicialmente satisfeitos. Quantos deles teria sequer sonhado em ganhar aquilo que os abastados rejeitariam? Um super-herói de plástico já seria suficiente. Consoles de jogos eletrônicos, dos modelos mais simples, seriam razão de festejos. Até um caminhãozinho de madeira cairia bem. Mas, eles talvez fossem mais perigosos ainda do que os ricos com respeito à tranquilidade dos cidadãos. Depois de experimentarem o gostinho do bem-bom, presenteados com coisas acima de seu desejo, não deixariam de querer mais e mais. Eternos insatisfeitos, sempre com exigências descabidas! Daí a uma revolução “socialista e popular” seria um curtíssimo passo. O melhor, mesmo, seria não agitar as massas. Tudo poderia desandar e os comunistas poderiam ser tentados a novamente comer criancinhas.
Os remediados, aqueles do meio, imprensados entre os de cima e os de baixo, aparentemente indiferentes a tudo, ficariam muito ressentidos. Eternas incógnitas, quietos pelos cantos, eles não sabem se são ricos ou pobres. Pela manhã ficariam sempre agitados e revoltados, como os ricos e, à tarde, insaciáveis, como os pobres. Dupla fonte de problemas.
Está aí, portanto, a explicação desse esse antigo procedimento de Papai Noel, de dar presentes caros aos ricos e baratos aos pobres, neste último caso, quando traz algum. Bem avaliada, é uma atitude bastante prudente.
Não há sentido, portanto, nos comentários que por vezes tenho ouvido de amigos supostamente esquerdistas, de ele não contribuir em nada na luta pela diminuição das desigualdades e promoção da paz social em nosso país e em outros, de desviar a atenção das crianças e seus pais dos verdadeiros problemas da humanidade, de impedir a criação do Paraíso na Terra, etc.. Em exame mais ponderado, no entanto, acabamos por concluir que Papai Noel está certo. Seu critério milenar de distribuição serve para evitar a desordem, a intranquilidade, a instabilidade política, em suma, o caos na sociedade.
Seja como for, aquela figura simpática ainda estará muito tempo por aí enchendo de boas lembranças a imaginação das crianças, como as lembranças de minha infância, quando, fingindo estar dormindo a fim de flagrar Papai Noel no desempenho de sua missão, eu, despertado por meus pais, acordava feliz com os brinquedos debaixo de minha cama.
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