Ilusão Populista
Jornal O Estado do Maranhão
O IBGE acaba de publicar os resultados do Censo Geral de 2010. Os mais importantes indicadores socioeconômicos do país continuam inalterados nos aspectos negativos que tinham no Censo anterior – e ainda têm –, com todas as inevitáveis consequências também negativas sobre a qualidade de vida dos brasileiros. Vejamos alguns números que, é imperativo dizer, são preliminares, embora sujeitos a poucas alterações em sua versão final. Valho-me principalmente dos sítios Veja Online e Folha.com, pois não tive ainda tempo para análise detalhada dos dados originais do IBGE.
Vamos começar com a desigualdade de rendimentos entre mulheres e homens. Estes ganhavam, em média, 53 % mais do que aquelas, de acordo com o Censo de 2000. Neste de agora ganham apenas 42 % mais. Digo apenas porque houve uma queda de 11 pontos percentuais na diferença. Mas, convenhamos, ela ainda é enorme e difícil de aceitar porquanto as mulheres têm mais anos de escolaridade quando comparadas com os homens. Se considerarmos somente o Nordeste, a situação chega a ser de calamidade pública. Em todas as outras regiões a diferença diminuiu, menos entre os nordestinos.
Ainda no campo da desigualdade, vamos examinar as taxas de analfabetismo, que no Brasil foram de 13,6% a 9,6% entre 2000 e 2010, diminuição de 4 pontos percentuais. Nas cidades pequenas (até 50.000 habitantes) do Nordeste a taxa é de 28%. Entre as crianças de 10 anos de idade, ela caiu de 11,4% para 6,5% na média do Brasil, mas chega a 16,4% no Maranhão e 13,7% no Piauí. Se associarmos a taxa de analfabetismo à cor, o retrato fica mais feio. A população branca brasileira tem 5,9% de analfabetos com 15 anos ou mais; na negra a proporção é de 14,4% e na parda, de 13%. Nas cidades pequenas, o analfabetismo dos negros chega a 27,1%. Todos esses dados não consideram o imenso analfabetismo funcional.
Todas essas desigualdades parciais são expressas sinteticamente pelo rendimento. Os dados do Censo são estes: o grupo de 1% das pessoas mais ricas ganha por mês, em média, R$ 16.651 e o 1% das mais pobres, R$ 393. Ou seja, é necessário somar os rendimentos de 42 destes a fim de igualar o rendimento de apenas um daqueles. Se, em vez de 1%, tomarmos os 10% das duas extremidades da distribuição de renda, a relação não muda muito, pois iria tão só a 39, não distante dos 42 mencionados acima.
Outros indicadores mostram igualmente grandes desigualdades, pouco diferentes das da década 2001-2010. O leitor já terá percebido minha intenção de não falar de mudanças absolutas, mas de movimentos relativos. Assim, ao mencionar a quase ausência de mudança na desigualdade, quero dizer que os indicadores das regiões ou Estados mudaram ao longo desses dez anos a taxas próximas, a distância entre eles permanecendo aproximadamente a mesma. Certamente, a maioria deles melhorou no Nordeste, mas não o suficiente à melhora da posição relativa da região. É como correr a alta velocidade numa competição ciclística. Não basta ir depressa. É necessário ir mais rápido do que os outros.
Após 9 anos de governo de um partido, o PT, acostumado a colocar ênfase retórica na justiça social e em programas destinados à diminuição de desigualdades socioeconômicas, é de lamentar o pouco alcançado até agora. Tal fato não é de surpreender. Ouvem-se com frequência afirmações atribuindo ao Bolsa Família papel preponderante numa hipotética melhoria na distribuição da renda no Brasil. No entanto, estamos cansados de saber que programas de transferências de renda, por definição temporários, não devem ter tal objetivo porque não são capazes de provocar alteração tão profunda. Mudanças de tal natureza somente podem ser alcançadas de forma permanente e consistente com o acesso pelas pessoas à propriedade, inclusive de fatores de produção (tarefa nada fácil), aí incluído o capital humano, a ser acumulado com o suporte de um bom sistema de educação e tecnologia, fatores ausentes no Brasil de hoje. A ilusão populista de que dar dinheiro aos pobres transformará o país não nos levará a lugar nenhum.
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