Palavra de honra
Jornal O Estado do Maranhão
Samuel Johnson (1709-1784), autor do famoso Dicionário da língua inglesa, de 1755; de uma edição comentada das obras de Shakespeare, de 1765; da descoberta de que as obras atribuídas pelo poeta escocês James Macpherson, contemporâneo de Johnson, a um suposto poeta irlandês do século III, chamado Ossian, não eram deste, e, sim, do próprio Macpherson; e autor, ainda, das Vidas dos mais eminentes poetas ingleses, obra escrita entre 1779 e 1783, costumava classificar o patriotismo como o último refúgio dos canalhas. O dito pode ser tomado em seu sentido original e literal para classificar os argumentos usados pelo Poder Executivo brasileiro em sua burlesca disputa com a Fifa e a CBF sobre a realização aqui em 2014 da Copa do Mundo de Futebol.
A história é esta. O Brasil teve sua candidatura única à realização da Copa aprovada a seis anos do início da competição, a ser realizada daqui a três. Hoje, depois de três anos da escolha, praticamente todas as providência de responsabilidade brasileira estão atrasadas. Pode haver alguém disposto a dizer que no fim tudo se arranjará e as coisas acontecerão como previstas. No entanto, esse é um argumento de difícil uso pelo governo. Se dele lançar mão, estará confessando sua irresponsabilidade e ouvirá a pergunta: Por quê? Seis anos não bastam? Vocês não sabiam que seis anos são seis anos?
Se não sabiam,
digo eu, se pensavam que seis anos são seis anos vezes dez, comprometeram-se
com o desconhecido, mais uma irresponsabilidade. Se, ao contrário, conhecem
aritmética, deveriam ter levantado o traseiro da poltrona e feito seu trabalho.
Falta de tempo bastante à tarefa, não foi a causa da demora.
Entre os
compromissos assumidos está o de estabelecer uma lei geral da Copa. Ela deveria
estar em vigência há dois anos. Não está. Nela serão inscritas diversas regras discutidas
com antecedência entre aquelas entidades e autoridades brasileiras, que com
elas concordaram, com vista ao bom andamento da competição e à preservação dos
direitos comerciais das entidades envolvidas em sua organização – Fifa e CBF –
bem como de marketing de patrocinadores, transmissão de TV, etc.
Como todo mundo sabe,
a Copa é um evento esportivo e, igualmente, ou principalmente, um megaevento de
negócios, como não poderia deixar de ser. Ou queremos algo do porte de um campeonato
mundial de seleções sem alguém disposto a bancar seus custos e riscos a troco,
é evidente, de justa remuneração acordada previamente? Na famosa lei, até o
momento virtual, existente apenas como projeto no Congresso Nacional, foi
incluído um dispositivo que dá a estudantes e idosos desconto de 50% nos ingressos,
em prejuízo da receita dos jogos, com óbvias repercussões financeiras sobre
grandes atores envolvidos na Copa. A medida, se de fato adotada, irá encarecer
o preço das entradas.
Aqui entra Samuel Johnson. Figuras
governamentais e a quase totalidade da mídia recorreram ao argumento patriótico
para justificar o descumprimento de acertos prévios com a Fifa e a CBF, no caso
específico dos ingressos e, da mesma forma, em outros. Inicialmente, o acertado
era o impedimento de qualquer desconto. Os patriotas exaltados disseram então
que por motivo de soberania nacional o Brasil não deve abrir mão de dar os 50% por
causa de leis existentes aqui, como se elas não vigessem na época das primeiras
tratativas. Se for assim, se prevalecer essa posição, deve o governo compensar
quem de direito pelo desfalque na arrecadação. Mas, não é assim. A questão não
é de uma ridícula soberania de um país sem controle de suas fronteiras. É de
cumprimento da palavra empenhada não por Lula ou Dilma, mas pelo Brasil. A
questão, patriotas postiços, é de acabar com o nefasto jeitinho brasileiro de prometer
tudo e não cumprir nada, achando que depois vai ocorrer um milagre.
Essa confusão me lembra dos tempos de criança. Quando queríamos dar garantia definitiva de cumprimento de um acordo, dizíamos de maneira solene: Palavra de honra!
Não
se refugiem no patriotismo, patriotas de picadeiro. Cumpram, com ou sem honra, a
palavra do país.
Essa confusão me lembra dos tempos de criança. Quando queríamos dar garantia definitiva de cumprimento de um acordo, dizíamos de maneira solene: Palavra de honra!
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