Cortinas do espetáculo
Jornal O Estado do Maranhão
Eu sempre gostei do futebolês, um linguajar engraçado, imaginativo e inovador de verdade, usado pelos que trabalham com o esporte bretão: jogadores, comentaristas de rádio e televisão, treinadores, preparadores físicos, torcedores e a restante multidão das pessoas ligadas ao futebol. Muitas delas nunca deram um reles chute numa bola.
Na televisão, após a partida, o jogador, após coçar a cabeça, ajeitar o penteado esquisito, olhar à direita e à esquerda, cumprimentando quem passa, declara muito sério que o grupo, nome antigo de time deu o máximo de si para seguir a orientação do professor (este é o técnico, chamado, em Portugal, de mister), mas que aquele não foi um dia bom. (Enquanto fala, ele pensa em obter um contrato com uma equipe da Europa, servindo também do Cazaquistão, da segunda divisão da Grécia e outros desconhecidos). O entrevistado marcou um gol na derrota de seu time e solta esta: “A bola foi cruzada do lado direito do nosso ataque na direção da meia-lua da grande área e aí eu tive a felicidade (atitude de modéstia bonita e comovente) de acertar o chute, de canela, é verdade, e coloquei a bola pra dentro”. Ele jamais diz “eu dei um bom chute” ou “eu fui certeiro no chute”. Ele sempre tem a felicidade, quer dizer a sorte, de acertar. Parece não ficar bem “confessar” talento e habilidade, humilhando os adversários e, principalmente, seus companheiros, desprovidos de igual felicidade.
Já não falo da famosa afirmação usada na explicação de derrotas: o futebol é uma caixinha de surpresa, que bem poderia ser “um caixão de surpresa”. Já é um chavão falar desse chavão. Melhor é lembrar outra tirada de curso comum no meio: hoje em dia não tem mais ninguém bobo no futebol ou não se pode escolher adversários. De qualquer maneira, o time às vezes não alcança um resultado positivo (tradução, não ganha o jogo). Quando ganha, o jogador diz: O importante é que saímos com os três pontos, depois de buscar o resultado. Nesse momento ele sempre corre para o abraço (hoje não é mais abraço, mas dancinhas e coreografias engraçadinhas) depois de encher o pé e balançar o véu de noiva, como um bom atacante impetuoso que, junto com os companheiros, imprime velocidade ao ataque. Sem dúvida, nessa hora, nenhum jogador sente o peso da camisa e o grupo faz as pazes com a vitória.
O pessoal dos meios de comunicação, esse não tem limites. Se o juiz deixa de marcar uma falta, o crítico de arbitragem, com um tom de autoridade infalível, não perde a oportunidade de enfiar um sua senhoria fez vista grossa. Senhoria num jogo de futebol? A tia idosa de um amigo meu perguntou qual o papel de uma senhorita num jogo tão violento. Será que o namorado da moça está jogando? – perguntou a respeitável senhora.
Sobre o desempenho dos times, isto é, dos grupos, os locutores esportivos garantem aos gritos: o jogo é lá e cá. Em português, a disputa está equilibrada, ou o volume de jogo dos contendores é o mesmo, com ambos jogando com garra e determinação, até mesmo o atacante que jogou no sacrifício. Pena ele ser marcado pela torcida. O repórter à beira do gramado afirma, porém, que o centroavante estava num grande dia (ou numa grande noite). Afinal, trata-se do futebol pentacampeão do mundo.
O final do jogo é ocasião de correria da imprensa. Ao apagar das luzes, os repórteres já preparam a conquista do gramado. Terminado o jogo, eles invadem o campo e atacam o primeiro atleta disponível. Perguntas inteligentes e respostas mais ainda são feitas então: – Mikesuelovsky, como você avalia o jogo, houve ou não vacilo da defesa do Tabajarão, o Leão da Paraíba e Adjacências? – Foi tudo muito difícil desde o apito inicial, erramos em alguns lances, o pessoal estavam desatentos, mas vamos dar a volta por cima e trabalhar com o professor e o grupo durante a semana a fim de corrigir os erros. O mais importante é que respeitamos os adversários. Não existe jogo ganho de véspera. O Brasileirão tá só começando. Vamos ter tempo de se recuperar.
Nada mais a dizer, pois fecham-se as cortinas do espetáculo.
Comentários