Amy
Jornal O Estado do Maranhão
Há persistente mito na cultura de massas do mundo ocidental, essa que nos trucida diariamente com toneladas de breguice no rádio, na televisão, nas revistas de fofocas, nos tabloides britânicos e em outras mídias, bem como nos satura com os tristes espetáculos de pessoas desorientadas existencialmente, alimento da indústria de autoajuda, exemplarmente personificada na produção dos livros de Paulo Coelho e assemelhados, há um mito, eu dizia, de que o talento artístico é, relativamente a seu possuidor, uma inescapável maldição dos deuses, ditadores de sentenças como esta: te demos essa habilidade, mas exigimos retorno em termos infelicidade. Um falso pacto fáustico.
O alcoolismo dos ídolos e o vício em outras drogas perigosíssimas, passam, por meio de um mecanismo de racionalização, culpabilização e de ideologização, à categoria de contestação aos "valores burgueses” e de desprezo pelos valores éticos universais de respeito à vida e valorização da ética do trabalho. A culpa não é nem de Fausto nem de quem teve vendida a alma antes de nascer, mas do “sistema”. Isso é bastante evidente, por exemplo, na área musical, campo propício à veneração inconsequente de astros populares pelas massas sem rumo e em busca desordenada de princípios morais a que se agarrar. Elas se dedicam a endeusar seus ídolos, não pelos méritos estéticos da “obra” deles, mas por suas atitudes ditas rebeldes e contestatórias de “tudo isso que aí está”.
Estas considerações me ocorrem agora a respeito da morte da cantora inglesa Amy Winehouse, encontrada morta em seu apartamento em Londres, de causas não ainda não determinadas pelos legistas ingleses, mas certamente ligadas ao megaconsumo de álcool e de drogas de vários tipos. Se não foi por excesso, foi por falta delas, levando Amy, afirmam seus pais, a uma síndrome de abstinência fatal para ela, dona de um organismo dependente de produtos químicos.
Deixe-me mencionar, caro leitor, minha própria avaliação da cantora: em sua curta carreira ela foi uma artista de grande e original talento. Na primeira vez que ouvi uma de suas canções, Rehab, pensei em alguma cantora afro-americana, pelo timbre de sua voz e o modo característico de interpretação da música negra, ao estilo da feita nos Estados Unidos. Aliás, entre as muitas coisas boas produzidas por aquele país está sua música: jazz, soul, rhythm and blues, etc. Durante os poucos anos da presença de Amy na cena musical mundial, ela provocou um reviver do soul, a despeito de não ser americana nem morar nos Estados Unidos, numa área com muita gente competente, talentosa e competitiva.
Amy Winehouse tinha a respeito da vida uma atitude autodestrutiva. Ao mesmo tempo, como todos os artistas capazes de exercer influência sobre milhares de pessoas, tinha responsabilidade com o público jovem que a admirava pelas razões erradas, independentemente do próprio desejo dela ou da visão de seu papel na sociedade. Querendo ou não, ela servia de exemplo – mau exemplo – para a juventude. Esta não é uma afirmação moralista no sentido trivial. Quem, entre os relativistas culturais, disser que cada um tem sua moral, então sugiro que ele faça a experiência de se entupir de drogas e sofrer as consequências. Sem, porém, provocar danos a outras pessoas. O importante é, em verdade, saber a qual moral aderimos. Se defender a vida e rejeitar a cultura da morte e da autodestruição for moralismo pequeno-burguês, como o pensamento esquerdista empavonado proclama, viva a moral burguesa. A questão não é a do suicídio de Amy Winehouse – não se pode negá-lo –, pois não se pode impedir ninguém de cometê-lo. A questão é se ela, assim, fazendo, não levará outros jovens à tentação de seguir seu exemplo.
Ao final, lamentável quanto possa ser ou parecer, a morte dela resultou de uma escolha particular, não da imposição de um “sistema” abstrato, misterioso e perseguidor dos bons e puros, impedindo-os de procurar a realização pessoal e a felicidade.
Como dizem os economistas com razão: não existe algo chamado almoço grátis.
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