Sem defesa
Jornal O Estado do Maranhão
Há na peça de teatro Le Diable Rouge, de Antoine Rault, um diálogo entre Colbert e o cardeal Mazarino. O primeiro foi ministro das finanças Luís XIV e é o representante mais conhecido da variante do pensamento mercantilista conhecida por colbertismo ou Mercantilismo francês, que defendia o estabelecimento pelos países de uma balança comercial em permanente superávit, visando o acúmulo de metais preciosos.
Mazarino, italiano de nascimento, era núncio papal em Paris quando foi convocado ao serviço do rei Luís XIII pelo cardeal Richelieu, tendo obtido então a nacionalidade francesa. Tornou-se depois primeiro ministro da França, sucedendo ao próprio Richelieu, e responsável pela educação do futuro rei Luís XIV. Pouco antes de morrer recomendou Colbert, a quem havia feito administrador de sua fortuna pessoal, a Luís XIV que fez o indicado, em 1661, ministro de Estado.
Dou esses resumos biográficos a fim de mostrar que Rault, dramaturgo da nova geração francesa, nascido em 1965, colocou o diálogo (ficcional, claro) na boca de conhecedores das finanças estatais e dos mecanismos aplicados na arrecadação de impostos:
Colbert - Para encontrar dinheiro, há um momento em que enganar [o contribuinte] já não é possível. Eu gostaria, Senhor Superintendente, que me explicasse como é possível continuar a gastar quando já se está endividado até o pescoço... Mazarino - Se se é um simples mortal, claro está, quando se está coberto de dívidas, vai-se parar à prisão. Mas o Estado... o Estado, esse é diferente!!! Não se pode mandá-lo para a prisão. Então, ele continua a endividar-se... Todos os Estados o fazem! Colbert - Ah sim? O Senhor acha isso mesmo? Contudo, precisamos de dinheiro. E como é que havemos de obtê-lo se já criamos todos os impostos imagináveis? Mazarino - Criam-se outros. Colbert - Mas já não podemos lançar mais impostos sobre os pobres. Mazarino - Sim, é impossível. Colbert- E então os ricos? Mazarino - Os ricos também não. Eles não gastariam mais. Um rico que gasta faz viver centenas de pobres. Colbert - Então como havemos de fazer? Mazarino - Colbert! Tu pensas como um queijo, como um penico de um doente! Há uma quantidade enorme de gente situada entre os ricos e os pobres: são os que trabalham sonhando em vir a enriquecer e temendo ficarem pobres. É a esses que devemos lançar mais impostos, cada vez mais, sempre mais! Esses, quanto mais lhes tirarmos mais eles trabalharão para compensarem o que lhes tiramos. É um reservatório inesgotável.
A inspiração do dramaturgo vem da economia francesa. Ainda assim, o diálogo mostra a situação do contribuinte fiscal de classe média no Brasil. Os pobres de fato têm um poder de contribuição tributária reduzido. Mesmo na hipótese de não ser dessa forma (o conceito de pobreza tem muito de relativo), quem, em tempos do politicamente correto, ousaria sugerir o aumento da carga de impostos sobre eles?
No outro extremo da renda, a cobrança excessiva sobre os ricos poderia reduzir a taxa de poupança e investimento da economia, com reflexos negativos óbvios porque, como a teoria econômica e evidências empíricas nos dizem, níveis elevados de renda apresentam propensão marginal a poupar maior do que níveis baixos. Tirar a poupança das mãos dos ricos e colocá-la nas do governo é transformá-la em consumo improdutivo e implorar por desastre.
A classe média brasileira é massacrada de todos os lados. Ela paga o governo, sem opção de não fazê-lo, para ter assistência pública de saúde, mas não a tem; paga por planos de saúde privados e, quando mais deles precisa, fica ao desamparo; e, finalmente, é obrigado a tirar dinheiro do bolso pela terceira vez, em pagamento de elevadas quantias a médicos e hospitais particulares, se, doente, não quiser correr o risco de morrer por falta de atendimento.
Os pobres têm seus defensores, sinceros ou não; os ricos não precisam de quem os proteja; e a classe média, obrigada a entregar cerca de um terço de seus rendimentos ao governo sob a forma de imposto de renda e mais em impostos indiretos, como o ICMS, quem a defenderá?
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