Fé polonesa
Jornal O Estado do Maranhão
O sentimento religioso católico é uma segunda natureza do povo polonês. Para começar a sentir-se a verdade de tal afirmação é preciso estar na Cracóvia, no dia da Festa de Corpus Christi, instituída na Igreja Católica pelo Papa Urbano IV em 1264. Em algumas regiões do Brasil, durante a festividade, as ruas por onde passam as procissões comemorativas do Corpo de Cristo, são decoradas com enormes tapetes de serragem, borra de café, farinha ou areia, com motivos religiosos.
A Polônia, porém, é um caso especial. Lá o catolicismo e o nacionalismo são inseparáveis, como se pode perceber das bonitas e imensas procissões que se realizam por todo o país. Todos participam. Ao lado de bandeiras com símbolos religiosos, de batalhões de freiras e padres, de centenas de membros de ordens religiosas, de belas imagens da Virgem Negra, podem-se ver participantes das procissões vestidos à maneira de soldados da Primeira Guerra Mundial, insígnias de guerra, estandartes com representações da nação polonesa. Vista isoladamente, essa mistura poderia parecer estranha mas, naquela terra e em função de fatores históricos adquire uma coerência surpreendente.
A Polônia teve em sua história diversos momentos de ameaça à sobrevivência como nação. No final do século XVIII, foi partilhada entre a Rússia, Prússia e o Império Austro-Húngaro. Até então e desde 1569 (o primeiro Estado polaco foi criado em 966), houvera a União de Lublin, com a Lituânia, que resultou na formação da República das Duas Nações por mais de dois séculos. Esta se tornou o maior país da Europa e experimentou imensa prosperidade, durando até 1795, quando da partilha. Por breve período entre 1807 e 1815, Napoleão Bonaparte recriou-a. Mas, o Congresso de Viena, realizado após a derrota do francês, voltou a retalhá-la, concedendo o lado leste à Rússia que depois anexou a outra metade, decretando sua não existência.
Ao final da Primeira Guerra Mundial, ela recuperou a independência durante, apenas, 21 anos, até a Segunda Guerra Mundial, cujo início deu-se exatamente com sua invasão pelas tropas de Hitler no dia 1º de setembro de 1939. Os mapas deixaram a partir daí de assinalar a sua existência, pois o leste foi anexado pela Rússia e o oeste, pela Alemanha. Nenhum país perdeu no conflito tão grande número de cidadãos, relativamente à população, como a Polônia. Entre os 6 milhões de pessoas assassinadas pelos nazistas, quase a metade era de judeus. O tristemente famoso conjunto de campos de concentração de Auschwitz-Birkenau, construído em seu território, quando da ocupação alemã, tornou-se um dos símbolos da barbárie nazista, mas é lugar cuja visitação é indispensável à reflexão sobre a capacidade do ser humano de infligir dor, humilhação e sofrimento a seus semelhantes. Após a guerra, em 1948, a União Soviética impôs aos polacos um regime comunista, o primeiro a cair na Europa do Leste, após o fim do comunismo na região.
Vêm dessas vicissitudes da história bem como da religiosidade, que serviu de cola à coesão social e nacional daquele povo em períodos conturbados, a explicação da rejeição pela sociedade ao regime totalitário e antinacional, de inspiração soviética e russa. A eleição do papa polonês João Paulo II, tendo um claro componente político de combate ao regime vigente na época, contou também, para esse fim, com o sentimento, fácil de perceber naquela sociedade, de apego a sua cultura cristã e, em especial, católica. As procissões na Cracóvia mostram bem a naturalidade e a autenticidade das práticas religiosas, sem afetações, parte do dia a dia da vida de homens, mulheres e crianças, da família toda, arraigadas na cultura, espontâneas, não apenas destinadas a cumprir uma obrigação. Tudo, no entanto, sem carolice ou pieguice. Isso nos faz compreender a alegria do povo quando da eleição a papa de Karol Wojtyła. Teve o sabor de justa e oportuna retribuição por sua fidelidade à Igreja Católica à qual quer permanecer fiel.
Mesmo para um não crente, emociona ver aquela fé autêntica, sólida e inabalável.
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