Um livro de Lucy Teixeira
Jornal O Estado do Maranhão
Eu vi Lucy Teixeira pela primeira vez em 1998 no lançamento da segunda edição de O Maranhão: subsídios históricos e corográficos, de Fran Paxeco.
Jomar Moraes, presidente da Academia Maranhense de Letras, e eu vínhamos saindo, ao fim da solenidade, do auditório da Associação Comercial do Maranhão, no prédio do antigo Hotel Central. Aproximou-se uma figura de mulher pequenina, ágil, de olhos vivos. Jomar fez as apresentações. Ela falou sobre um livro de contos que planejava publicar. Acabei fazendo a editoração eletrônica do volume, o excelente No tempo dos alamares & outros sortilégios, publicado no mesmo ano.
Mas, claro, eu já a conhecia anteriormente, por sua obra e por referências de Bandeira Tribuzi, com quem trabalhei durante alguns anos no Banco de Desenvolvimento do Maranhão. Sabia, assim, da força e originalidade de sua arte e de sua participação destacada em movimentos culturais aqui e fora do Maranhão.
Em Belo Horizonte aonde fora estudar Direito participou de movimentos literários e de artes plásticas junto com Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Otto Lara Resende e Murilo Rubião e conquistou diversos prêmios. De volta a nossa terra, na segunda metade dos anos 40, quando Tribuzi voltava também, mas de Portugal, passou a atuar como jornalista, com o pseudônimo de Maria Karla. Organizou, com Ferreira Gullar, o Congresso Súbito de Poesia e, em seguida, criou o Movimento Antiquentismo contra sentimento fácil em poesia.
Lucy logo foi para a Europa, a serviço do Itamaraty, como adida cultural nas embaixadas do Brasil na Bélgica, Espanha e Itália. Teve, então, a oportunidade de tornar-se amiga de grandes nomes do mundo cultural europeu, entre eles o escritor italiano Ítalo Calvino.
A partir do encontro na Associação, tornamo-nos amigos. Nasceu, desse modo, o incontestável direito de ela quase me obrigar, depois, a iniciar esta colaboração semanal em O Estado do Maranhão, sendo do jornalista Aquiles Emir a iniciativa paralela de fazer a sugestão ao Correia, editor-chefe, que logo aceitou a idéia, de o jornal reservar-me um espaço. Por uma dessas coincidências chamadas, por vezes, destino, ela fora colega e amiga, no antigo ginásio, de minha mãe Maria Raposo Moreira.
Lucy publicou dois livros de poesia, Elegia fundamental, em 1962, e Primeiro palimpsesto, em 1978. Para o teatro, escreveu Quem beija o leão, além de ter feito uma exposição de pinturas em Monte Carlo, no Mônaco, com boa aceitação da crítica. Suas inúmeras colaborações para jornais ainda precisam ser reunidas em livro, especialmente na área da crítica.
Ela lançou há poucas semanas no Rio de Janeiro a novela Um destino provisório, para a qual escrevi um texto que compõe a orelha do livro cuja bonita capa pode ser vista no site da editora Revan, http://www.revan.com.br/catalogo/0225.htm, bem como o texto da contracapa, uma carta do crítico Antônio Cândido para ela. O lançamento em São Luís será em setembro próximo.
Para mostrar a condição quase sempre subalterna da mulher em nossa sociedade, Lucy usou nesse livro uma estrutura narrativa simples, com aprofundamento psicológico limitado a poucas personagens e bom domínio da técnica de exposição que lhe vem do longo labor literário.
É de Ferreira Gular a afirmação de os contos dela não contarem muita coisa. Esta novela também não “noveliza” quase nada, mas muito diz. O enredo é secundário, um pretexto para a caracterização de uma situação. Daí a sutileza e os diversos momentos de alta poesia, até no título, sem perda de simplicidade e de clareza, postos por ela numa prosa singular, sempre distante da obscuridade pós-moderna. Ela mais insinua e induz o leitor à reflexão do que afirma.
Ao desnudar uma situação específica – a recusa de uma mulher em aceitar uma posição social secundária em meio a forças hostis – Lucy alcança, simultaneamente, uma dimensão que tem sido universal nas artes: a da afirmação da dignidade e liberdade humanas. Aí está sua arte.
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