Resgates
Jornal O Estado do Maranhão
A quinta-feira da semana passada, dia 6 de dezembro de 2002, foi um dia importante para a história do Maranhão. Digo história como ciência do acontecido, não simplesmente como uma narrativa de fatos, caso em que ela se aproxima da literatura. Eis o que eu quero dizer: naquele dia, na sede da Academia Maranhense de Letras, foi lançado o Catálogo dos manuscritos avulsos relativos ao Maranhão existentes no Arquivo Histórico Ultramarino.
Já pelo título, pode-se ver que não exagero ao atribuir ao lançamento um grande valor para o estudo científico do nosso passado. O livro apresenta treze mil fichas, com sumários de documentos históricos relativos à província do Maranhão, editadas paciente e incansavelmente por Jomar Moraes. Esse trabalho passa a ser, daqui por diante, fonte de consulta obrigatória para qualquer estudo sobre a história do Maranhão no período de 1614 a 1833. Anteriormente, a fim de consultar as fichas, o pesquisador era obrigado a ir ao Arquivo Histórico Ultramarino, em Portugal, resignar-se a citar de segunda mão ou desistir do uso da fonte.
O leitor não deve, porém, pensar que os documentos originais sumariados continuarão fora do alcance dos estudiosos. Em verdade, o trabalho não seria muito útil se tal fosse o caso. A íntegra desses documentos também já estão disponíveis, em dezessete CD-ROMs e diversos microfilmes, no Arquivo Público do Maranhão.
O livro é parte do Projeto Resgate Barão do Rio Branco, do Ministério da Cultura, que já publicou volumes referentes ás capitanias de Alagoas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rio Negro, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe, assim como às colônias do Sacramento e Rio da Prata. Inclui o projeto, ainda, um tomo com os códices do Fundo do Conselho Ultramarino e outro relativo a documentos da secretaria do Conselho.
O volume maranhense contou, no início dos trabalhos para sua feitura, aqui em São Luís, com a colaboração vital do governo do Estado e do homem de negócios e membro da Academia, onde ocupa da cadeira 26, Carlos Gaspar. Foi dessas fontes a generosa doação dos recursos que tornaram viável financeiramente o projeto, na parte de interesse do Maranhão, e possível a Jomar, com sua dedicação e competência costumeiras, cumprir a extenuante tarefa de edição.
As fontes postas à nossa disposição compõem, pelo tipo de documentos sumariados – relatórios, requerimentos, correspondências, petições de autoridades e de cidadãos, tudo tratando, em boa parte, do cotidiano da província – um valioso acervo documental que ajudará na elaboração de uma história do cotidiano ou de uma história da mentalidade do Maranhão, seguindo uma das tendências dos estudos atuais nessa área. Tarefa que se torna, a partir deste momento, um desafio permanente para os pesquisadores interessados no estudo do nosso passado.
Mas, a quinta-feira não nos ofereceu somente essa riqueza. Ela nos ofereceu também outra boa notícia e um outro resgate, além desse dos documentos. A poetisa Laura Amélia Damous foi eleita para a cadeira 26 da Academia, vaga com a morte recente e profundamente sentida por todos os acadêmicos e pela sociedade, do seu ocupante anterior, Eloy Coelho Neto. A eleição de Laura aumenta a tão necessária presença da sensibilidade feminina na Academia. Com a nova acadêmica, chega a cinco o número de mulheres lá. A academia Brasileira tem apenas quatro.
De Laura, eu disse uma vez, e posso repetir, sem medo de errar na comparação que a engrandece, que é a Emily Dickinson maranhense, pela concisão de sua expressão, pela surpresa de seus achados poéticos e por sua originalidade e universalidade, ainda que venha escrevendo toda sua obra, também concisa no tamanho, mas não na qualidade, na província, como Emily.
Aplica-se a Laura o que Antônio Cândido disse sobre os artistas verdadeiramente originais: “[...] procuram de fato refrescar o sentido das palavras, distanciando-se dos nossos hábitos mentais nesse trabalho de renovação.”
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