Os argonautas Brasileiros
Jornal O Estado do Maranhão
Quando Jasão encarregou Argos da construção de um barco com capacidade para vinte e três homens, o projeto foi considerado grandioso demais, naqueles tempos antigos. Ele queria desafiar os perigos do oceano tenebroso, a fim de recuperar uma lã de carneiro, de ouro, chamada velo ou velocino, pertencente a sua família, de dentro uma gruta sagrada guardada por um dragão eternamente insone. Para companheiros de aventura, chamou alguns dos maiores heróis e semideuses da Grécia. Os argonautas, assim chamados por causa do nome do construtor do barco, fizeram-se ao mar e chegaram a um império distante e misterioso.
Lá, Jasão foi obrigado a arar a terra com touros de pata de bronze, que soltavam fogo pela boca e pelas narinas, e semear os dentes de um dragão, dos quais surgiram batalhões de guerreiros que o atacaram. Pois Jasão superou todas as ameaças, com o apoio de Medéia, filha do rei. Depois, com o uso de uma poção preparada por ela, pôs o dragão para dormir e recuperou o velo de ouro.
Tal como fizeram os brasileiros, enfrentando, não um, mas sete dragões do futebol. Felipe Scolari é o nosso Jasão e os jogadores da Seleção, que acaba de conquistar a Copa do Mundo de Futebol pela quinta vez, os nossos argonautas. De início, tão desacreditados por muitos de seus patrícios, recuperaram o velo, por outro nome Taça Fifa, usurpada pelos homens da Gália quatro anos antes. Os feitos dos valorosos guerreiros tropicais foram cantados em prosa e verso em todas as ágoras da nação. Multidões cantaram e dançaram de alegria por todos os lugares.
Os atletas mostraram, como já o fizeram muitas outras vezes, as virtudes do povo brasileiro, de organização, disciplina, determinação, eficiência, competitividade, espírito de equipe, habilidade e inteligência. Projetaram no mundo todo um Brasil que pode funcionar e funciona, dadas as condições adequadas, sob um comando de um homem que junta aquelas qualidades a um espírito apaixonado e dedicado. Eles fizeram, fazem e farão mais pela imagem do Brasil – mais bem avaliado no exterior do que em casa –, do que mil campanhas publicitárias do governo.
O antropólogo brasileiro Roberto DaMatta, da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, onde tive oportunidade de estudar economia, disse à imprensa ao fim da Copa: “A Seleção nos expressa porque trouxe excelência. Ela levanta a auto-estima do brasileiro, e a experiência da vitória confirma nossos valores nacionais”. Como eu afirmei, em alguns artigos nas últimas semanas, havia mesmo muita gente que precisava aumentar sua auto-estima. Eles não se cansavam de prever a derrota brasileira. Logo, serão minoria. Renitentes, porém, como são seus remanescentes, deram de atribuir nossa vitória a supostos efeitos positivos de suas críticas.
Mas, de todos os argonautas que participaram dessa aventura única nos gramados do Oriente, um é a metáfora mais perfeita da determinação, da vontade de vencer e da capacidade de superar as adversidades: Ronaldo, o Fenômeno. Depois da derrota na Copa de 1998 na França, de problemas graves nos ligamentos do joelho, de dezessete meses afastado dos campos de futebol e de ser dado como acabado para o futebol, ou de ser considerado incapaz de voltar a jogar como antes, ele retornou, graça ao técnico Felipão, e mostrou toda a magia de seu jogo e o encanto que é capaz de criar.
A imagem de seu gol na segunda partida contra a Turquia, quando ele, cercado por vários defensores tentando desesperada e inutilmente contê-lo, chutou de bico, surpreendendo o goleiro turco, para marcar o gol da vitória, ficará eternamente na nossa lembrança. Obra de arte, feita de determinação e talento. Acredito não haver na história de qualquer esporte quem, tendo sofrido tantos reveses, com tão pouca idade, mas já em meio a tanta glória, tenha, como ele, se levantado com tal força e coragem para retomar seu legítimo lugar no panteão dos deuses do futebol. Mais não fez o argonauta Hércules nos seus Doze Trabalhos.
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