Ano, século, milênio

Jornal O Estado do Maranhão
Chegamos ao fim do ano e do século.Pelo menos desde que, há 1500 anos, o papa João I encarregou o monge Dionísio Pequeno de preparar um sistema de contagem do tempo, para uso no mundo católico, sempre houve intermináveis e inconclusivos debates a respeito da data certa para a comemoração da passagem. Este ano e em 1999, o interesse foi ainda maior, porque não estamos somente no fim e no começo dos séculos XX e XXI, mas de um milênio também.
A polêmica se dá, em parte, pelo erro do monge em não considerar o ano zero nos seus cálculos. Imediatamente após o ano 1 a.C., ele colocou o ano 1 d.C como o marco inicial da era cristã. No entanto, se queremos tomar Cristo como base de nossa contagem, então devemos marcar o ano de seu nascimento como 0 e não 1. Pelo sistema de Dionísio, quando Cristo completou 1 ano de idade a seqüência já estava, paradoxalmente, no ano 2 de sua era; quando ele tinha 2 anos ela estava no 3 e assim por diante.
É fácil ver, também, que o primeiro século, que, repito, não teve o ano 0, não terminou no ano 99 e sim no 100. A conclusão é que, de maneira semelhante, o século XX não terminou em 1999, mas em 2000 e que o século XXI começa em janeiro de 2001. Generalizando, pode-se dizer que todos os séculos terminam nos anos 00 e começam nos 01. Esse o argumento da lógica.
Mas, há outro ponto de vista. É o de que o final dos séculos ocorre nos anos terminados em 99, não naqueles em 00. Por quê? As passagens de séculos carregam um grande simbolismo. São ocasiões para reflexões sobre o futuro das pessoas e da espécie humana. É natural a associação de tal atitude mental a mudanças facilmente identificáveis. Por exemplo, a passagem de 1999 para 2000 parece mais exata, drástica, profunda, e está de acordo com a percepção imediata e comum, do que de 2000 para 2001. Portanto, é mais reconhecível pelas pessoas e adequada para assinalar o fim de um século e o começo de outro. Se houve problemas com o primeiro século, corrija-se o engano atribuindo-lhe apenas 99 anos e 100 aos seguintes. Esse o argumento psicológico ou do senso comum.
Consideremos agora um outro ponto interessante: a forte ligação da contagem do tempo com uma longa tradição do milênio apocalíptico. Como se sabe, o Velho Testamento afirma que, no Apocalipse, Cristo retornará para estabelecer um reino terrestre de mil anos antes do Juízo Final. No entanto, como a previsão, ou revelação, jamais se materializou, surgiu a pergunta natural e lógica: — Se não agora, quando?
 “Um dia diante do Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia”. É o que nos diz a Segunda Epístola de São Pedro Apóstolo. A expressão mil anos, aí, representa um símbolo da eternidade de Deus. Ela foi transformada em um milênio cronométrico, literal, por exegetas bíblicos pressionados pela necessidade de fazer um cálculo preciso sobre a data do Apocalipse.
A lógica utilizada a partir daí, aceito o pressuposto, é perfeita. Uma vez que Deus criou o mundo em 6 dias e descansou no sétimo, a história do mundo deve ter 6 mil anos até o Apocalipse. Acrescentando-se agora o milênio de Cristo na Terra, correspondente ao dia para descanso do Criador, estarão completos os 7 mil anos de história da Terra. Restará, tão somente, calcular a data do início do mundo. Estabelecido o começo, se poderá facilmente calcular a data do fim.
Vários cálculos foram feitos, refeitos, corrigidos ou abandonados, havendo, até, um arcebispo anglicano que estabeleceu o momento da criação como sendo o meio dia de 23 de outubro de 4004 a.C.!
Em verdade, as discussões sobre a data certa da passagem dos séculos, bem como sobre o dia do Apocalipse, nunca terão uma conclusão, como a vida prometida para depois do Juízo Final, no Paraíso ou no Inferno. Resta-nos compensar a frustração da incerteza, dizendo que teremos a certeza, amanhã, primeiro dia de 2001, de estar no século XXI, quer ele tenha começado em janeiro de 2000, quer comece dentro de algumas horas, e que nada indica que este 31 de dezembro de 2000 será o último dia de nosso pequeno mundo.

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