Pirataria

Jornal O Estado do Maranhão    
Mais de uma vez aqui apontei o que considero uma boa medida da educação, digamos deficiente, de nossa classe média: o tamanho das filas duplas e triplas de automóveis nas portas de escolas particulares, no horário de saída dos alunos, com os previsíveis resultados danosos sobre nossas atividades diárias e nosso direito de circular livremente nas ruas, afinal públicas e não propriedade privada. Essas pessoas, com um nível de renda relativamente alto, tiveram, supõe-se, acesso ao ensino formal. No entanto, tudo indica, a absorção de noções de civilidade porventura a eles transmitidas foi nenhuma.
Tudo piorou ultimamente em vez de melhorar, já que os pais, com seus belos veículos sofisticados, símbolos de status social de tão forte contraste com a pobreza em volta, continuam se achando especiais e imunes, portanto, à aplicação da lei, num procedimento típico de sociedades marcadas por grande desigualdade entre os cidadãos.
Esse problema, evidente do lado de fora desses estabelecimentos, tem, agora, a sua contrapartida do lado de dentro, conforme notícias da imprensa. Sua origem, em boa parte, está no comportamento desse mesmo pessoal que se acha proprietário das ruas. Porque paga pelo serviço de educação, um elevado número de pais pensa em seus filhos como livres para fazer o que bem entenderem dentro das salas de aula, em desrespeito aos professores e, até, com ameaças de violência física, sem nenhuma consideração pela necessidade de disciplina. Seus pais exigem, ainda, a aprovação deles, independentemente de um desempenho escolar minimamente satisfatório. Consideram, equivocadamente, serem os professores seus empregados, e não da escola como de fato são, e usam esse argumento para ameaçá-los de demissão, na suposição de ser o empregado obrigado a atender os caprichos do patrão e concordar com a criação de um ambiente de baderna nas salas de aula. Essas figuras querem estabelecer suas próprias regras. Mas, pelo exemplo do comportamento deles na rua, dessa atitude não resultará coisa boa dentro dos colégios.
Consideremos agora isto. Por sua importância para a sociedade, a educação tem regras especiais de funcionamento estabelecidas pelo poder público, às quais todos devem obedecer. Isso não impede sua livre comercialização nos mercados. Obedecidas essas exigências básicas, os estabelecimentos de ensino têm, em seguida, de ser claros sobre as características específicas de sua oferta. Isto inclui a informação aos pais de que qualidade e disciplina são componentes indissociáveis da educação oferecida. Se eles não concordarem, deverão então procurar quem lhes ofereça a permissividade da indisciplina e do desrespeito. É como funciona com outros serviços e produtos.
Hoje, existem escolas que, no afã de segurar os alunos e garantir receitas e lucros indevidos, agem como os vendedores de produtos piratas encontráveis em qualquer esquina. Anunciam o produto original, de boa qualidade, e entregam uma cópia pirateada ruim. Por outro lado, os pais, conhecendo, mas fingindo não conhecer, a baixa qualidade do serviço que seus filhos recebem, acham-se no direito de exigir a aprovação deles de qualquer maneira, dando-lhes triste exemplo. São adeptos do “pagou, passou”. Acham que dessa forma seus filhos serão educados adequadamente? Imprensados entre os donos dos colégios e as famílias, os professores pagam um preço alto por essa situação.
Existe demanda por boas escolas, originada nas famílias conscientes de suas responsabilidades sociais. Mas, falta firmeza do setor público na fiscalização do setor, o que poderia expandir esse mercado e elevar a qualidade do ensino privado. Por enquanto, muito do que se vê nessa área são gatos vendidos por lebres se espreguiçando nos ombros de piratas.

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