Perdas
Jornal O Estado do Maranhão
O inexorável destino comum a todos nós, indiferente às virtudes e defeitos, méritos e deméritos dos que vão sucumbindo mais dia menos dias a suas exigências sem sentido, tem dado ultimamente de arrancar de nosso convívio pessoas que, pela imensa contribuição dada ao patrimônio comum de nossa cultura, tão laboriosamente construída por gerações e gerações de maranhenses, multiplicaram esse estoque de riqueza impossível de ser medida em toneladas ou em dinheiros, mas que, mesmo sendo intangível, é, no entanto, ou por isso mesmo, indispensável à vida de qualquer povo.
As mortes nos últimos meses, no curto período de um ano, aproximadamente, de Eloy Coelho Neto, Amaral de Mattos, Mário Meireles, Antônio de Oliveira, estes todos da Academia Maranhense de Letras – AML, e mais de Ambrósio Amorim, já seria golpe bastante cruel para a alta cultura do Estado e a família dos mortos. Como se a imposição de semelhantes golpes, porém, não pudesse diminuir essa ânsia destruidora – que no fim, estejam certos, será vencida pela permanência das obras desses homens – eis que um novo e inesperado golpe atinge José de Ribamar Caldeira, também da AML, onde ocupava a cadeira 36, cujo patrono é Gomes de Sousa, fundada por Armando Vieira da Silva. Seria uma manifestação de despeito do destino por tudo feito por ele, pela contribuição dada à nossa vida cultural? Não duvido.
Caldeira tinha todas as qualificações que se poderia imaginar em um homem voltado para o saber. Era Bacharel em Sociologia e Política pela Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, a ELSP; Mestre em Ciências Sociais, na área de Ciência Política, pela Unicamp, em Campinas, São Paulo; e Doutor em Ciências Sociais, na área de Sociologia, pela USP, em São Paulo. Seus estudos nesta cidade o colocaram em contato com o que de melhor se produzia em Sociologia no país e com o pensamento de renomados sociólogos e antropólogos, como Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro, Radcliffe-Brown e Donald Pierson.
Seu campo de interesses intelectuais era muito vasto, pois não se limitava tão-somente à Ciência Política e à Sociologia. Basta ver sua tese doutoral: Origens da indústria no sistema agroexportador maranhense – 1875/1895, na qual teve, necessariamente de fazer uma análise da economia do Estado no período analisado por ele. De grande interesse, também, pela qualidade e por mostrar essa versatilidade intelectual de Caldeira, é um dos seus últimos livros, publicado em 2000, com o título A criança e a mulher Tupinambá, um trabalho de cunho etnológico.
A vida de Caldeira foi em grande parte dedicada aos estudos e ao ensino. Em verdade, era tão intenso seu amor ao conhecimento, dedicava-se com tanto empenho à ciência, que dele se pode dizer que se tornou um asceta. Era como se ele não quisesse desperdiçar tempo em atividades sociais que lhe roubariam um tempo precioso, a ser mais bem aproveitado em seus trabalhos.
Dos mortos, se costuma dizer terem sido pais e maridos exemplares, nem sempre com inteira justiça. Neste caso, esse elogio não poderá ser nunca chamado de lugar-comum, pois, dizer essa verdade é lhe fazer inteira justiça. Ao lado de Marlene, sua querida esposa, e de seus filhos, formou uma família feliz. Eu o via e vejo como um intelectual brilhante sempre entusiasmado pelos seus estudos.
Sua atividade como professor e pesquisador na Universidade Federal do Maranhão, como professor adjunto durante muitos anos, permitiu-lhe estabelecer um diálogo permanente com a juventude maranhense e debruçar-se sobre a realidade do Maranhão, ao desenvolver inúmeras pesquisas, tão necessárias à correta compreensão da nossa realidade social e proposição de caminhos para sua modificação.
Ao morrer, Caldeira deixa uma herança de amor pela ciência, pelos livros, por sua família, por seus amigos, por sua terra. Mais não se poderia pedir como exemplo aos nossos jovens. Estes poderão ter, no trabalho dele, um guia seguro para seus primeiros passos na conquista do mundo pelo conhecimento.
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