Papagaios, Patos, Gatos E Perus

Jornal O Estado do Maranhão  
Seu Antônio, viúvo, aposentado solitário, morador de Brasília, tinha um papagaio havia mais de quarenta anos, sua única companhia depois da morte da mulher. (Não sei se o animal tem vida tão longa, confio na informação da TV.). Tinha também um vizinho inimigo de papagaios, à semelhança daquele outro de Timon, no Maranhão, que não gostava de cachorros, em especial de Bingo, que o mordeu, despertando-lhe a ira, disso resultando denúncia à polícia e prisão do cachorro, humano também (como o papagaio), na divinatória classificação do ex-ministro do Trabalho, Rogério Magri, pois, como se vê hoje, bicho virou gente, a julgar por clínicas de estética, hotéis, academias de ginásticas e salões de beleza que antes serviam apenas aos chamados seres racionais, mas agora prestam serviços aos clientes de quatro patas, que fazem gato e sapato de seus pretensos senhores.
O caso do viúvo, porém, é outro. Ele queria apenas companhia confiável, alguém para lhe aliviar a solidão de eremita urbano. Escolheu um papagaio. O morador do lado, com certeza um defensor da natureza preocupado com os bichinhos, desde que ele não saia do conforto de sua poltrona em frente da televisão, resolveu dar um presente de Natal, ou de Ano Novo, e de grego, ao aposentado e o denunciou às autoridades encarregadas da defesa da vida selvagem. Selvagem, todavia, foi a reação da burocracia estatal, opressora contumaz do cidadão ordinário (ordinário no sentido de comum e não de falto de qualidades.). O papagaio foi depressa levado pelos fiscais, não com a finalidade de ser mandado de volta à natureza, pois a ela ele não se readaptaria, depois de tempo tão alongado em apartamento, mas para continuar engaiolado no jardim zoológico da cidade onde a poucos faz bem, mas de seu ex-companheiro ameaça a vida, pela ausência involuntária, conforme se percebeu da lamentação impotente do pobre homem na televisão.
Num país como o nosso onde as leis não pegam, as florestas são devastadas, os esgotos são lançados em quantidades crescentes nos corpos hídricos, a poluição do ar aumenta de maneira exponencial com o crescimento das zonas urbanas, o Ibama, órgão encarregado de fazer cumprir a legislação ambiental, de fato a fez cumprir com rigor, por fim mostrando a que veio. Morra o homem, viva o papagaio, que de qualquer modo viveria, e bem viveria, com seu dono, melhor do que com o Ibama, e prevaleça a aplicação irracional, insensível, injusta e burocrática da lei. Se a questão é apenas produzir um papel qualquer autorizando a guarda do animal por seu Antônio, qual a razão então para tomar o papagaio e depois devolvê-lo ao apartamento, supondo ter sido essa a intenção dos fiscais? Queriam, tão-só, fazer o homem sofrer? Mostrar um serviço que não prestam nos assuntos importantes de verdade? Enfrentariam com a mesma audácia contrabandistas de madeiras nobres da Amazônia?
Não culpo, no entanto, os funcionários. Num órgão que não os treina, não lhes dá incentivos nenhum, não os remunera de forma adequada nem lhes equipa bem e, além disso, recebe apoio mínimo do governo, como tem sido regra nesta e em quase todas as administrações federais e estaduais, hábeis em fazer discursos ecologicamente corretos sem contrapartida de medidas concretas, alguma coisa esses servidores irão mesmo fazer a fim de justificar a manutenção de suas funções. Nem sempre boa coisa sairá dessa combinação de infelizes circunstâncias.
Enquanto não se concertam as coisas, pessoas como seu Antônio, que já passaram o tempo de posar de gato, pagam o pato, só por terem papagaios. Mais seguro seria criarem perus de festa de fim de ano. Pelo menos com esses o Ibama não se preocuparia, mesmo assados no forno, depois de forçados a beber cachaça e degolados.

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