O calendário de Antônio Almeida
Jornal O Estado do Maranhão
O calendário do título é o de 2010 da Academia Maranhense de Letras. Foi nosso desejo – dos membros da AML –, prestar homenagem ao ocupante da Cadeira 40, Antônio Almeida, falecido no dia 2 de janeiro do ano passado. A forma de realizá-la foi reproduzir, no calendário, trabalhos de autoria do acadêmico. O critério utilizado na seleção foi o de priorizar a diversidade de técnicas e materiais utilizados por ele nas diversas vertentes das artes plásticas. Há escultura, xilogravura, pintura a óleo, tapete, painel mural bem como madeira, cerâmica e metal. Aliás, o calendário traz uma pintura a óleo sobre madeira, O Beco do Couto, de tamanho pequeno (6 por 10 centímetros), pertencente ao acervo do espólio de Almeida, que pela primeira vez é divulgada amplamente.
Ele foi, como se vê pela variedade de sua produção, um artista plástico no verdadeiro sentido da expressão, pois não se limitou a apenas uma das linhas de seu ofício. Em todas atuou com o talento explosivo, inventivo, original e insuperável que o tornou um dos maiores, talvez o maior, entre os que têm se dedicado a essa labuta, considerados tanto os aqui residentes quanto os emigrados e os de outros Estados.
De origem rural, filho de cearenses obrigados pela seca do Nordeste a demandar os vales férteis dos grandes rios do Maranhão, ele revela em numerosos exemplares de sua obra essa marca de origem. Dou como exemplo as xilogravuras, algumas constantes do calendário, usadas como ilustração para a primeira edição de Norte das águas, do escritor e decano da AML, José Sarney. Elas ajustam-se com perfeição à temática dos contos ambientados no interior do Maranhão, com personagens do mundo rural que Almeida conhecia tão bem e que hoje vai quase desaparecendo, como resultado da urbanização do Estado, mas por Sarney fixado com muita felicidade, com todos os dramas humanos universais ambientados no ambiente social local.
Outra característica, em minha visão de leigo nesse campo, de Antônio Almeida, é a impressão de movimento em quase tudo feito por ele, impondo um dinamismo que não deriva simplesmente de mero realismo ingênuo, pois sua arte não se subordina a tal concepção equivocada de representação da realidade, não importando o que se possa definir como tal. A impressão vem de um simples gesto; de um dobrar ou não de um braço ou perna de um sertanejo; da curvatura do pescoço e das pernas do cavalo de Dom Quixote; de braços levantados; de um galo numa luta feroz; de uma cadela a proteger sua ninhada, gesto ao mesmo tempo tão instintivo e comovedor.
Mesmo quando se pensa, inicialmente, não haver esse dinamismo do movimento, como em “Beco do Couto”, feita quase com certeza no início dos anos cinquenta, eis que dois simples traços definem com precisão duas pessoas que descem do alto da ladeira (o ponto de vista é de quem olha de baixo) puxadas pela força de gravidade tão presente, mas raramente sentida no nosso dia a dia, a não ser quando a verdadeira arte, como a dele, nos arranca da opressão do viver automatizado e estéril.
Ninguém pode escapar inteiramente à própria época. Antônio Almeida não será exceção. Mas, assim como olhamos, por exemplo, os quadros dos grandes pintores do Renascimento e refletimos sobre sua projeção para muito além de seu tempo e de seus contemporâneos, de tal modo que sua beleza nos faz reconhecer neles ainda hoje a verdadeira arte, da mesma forma, creio eu, esse grande artista maranhense será sempre compreendido.
Começaremos a distribuir o calendário no decorrer desta semana. No próximo dia 4 de fevereiro, quinta-feira, a Diretoria presidida por Mílson Coutinho e a Comissão Fiscal tomarão posse e dirigirão a Academia no biênio 2010-2012. Na ocasião, a distribuição continuará. Os presentes o receberão como brinde da Diretoria que sai. Poderão, assim, avaliar por si mesmos, com essa amostra representativa, a justeza da homenagem feita pela Academia. Poderão também ver o presente dado a nós por ele: o seu talento, a beleza de suas realizações e o exemplo de vida dedicada à arte.
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