No carnaval

Jornal O Estado do Maranhão 
O Carnaval é ocasião para o diabo fazer das suas. É quando ele bota uma capa vermelha nova, dá uma solda e um polimento no tridente enferrujado, retoca a maquiagem infernal, treina compulsivamente aquela risada, digamos, diabólica, de filme de terror, dá uma abanadinha no fogo, para aquecer a sua vida solitária, e sai por aí espalhando todo tipo de tentação gostosa.
Cuidado virgens, cuidado santos, não se enganem com aquelas conversas de “toma só um golinho”, “vamos ali depressinha”, “não se preocupe com isso agora”, “ninguém vai saber de nada, só nós dois” ou “claro, eu me caso com você”. É ele falando pela boca dos outros, com seus velhos e manjados truques que, mesmo sendo velhos e manjados, continuam enganando muita gente por esse mundo afora. Mas só as desejosas de serem enganadas. Ele age como os golpistas do conto do vigário do bilhete premiado, useiros e vezeiros em usar o tempo inteiro a mesma história, mas sempre encontrando alguém doidinho para ser iludido.
No tempo da Santa Inquisição sua popularidade era muito grande. O sujeito olhou a mulher do próximo pelo canto do olho? Bota na fogueira que isso é prova de estar o saliente possuído pelo diabo. Não demonstrou o necessário fervor na hora de rezar, deixou de ir à missa, duvidou dos santos, blasfemou, não acreditou nos Evangelhos, leu livros proibidos? Penitência pra ele que o demo tomou conta daquela frágil alma.
 Em Itaparica, na Bahia, no ano da graça de 1592, um tal de Bento Rodrigues Loureiro fez uma confissão perante o visitador da Inquisição, Heitor Furtado de Mendonça. Indo com a esposa, de nome Esperança, e com seus filhos para a igreja, a fim de assistir à missa, Bento teve uma discussão com a mulher por causa dos ciúmes infundados dela. Querendo dizer “Jesus em que creio”, disse “Jesus de que arrenego”, não estando bêbado, mas apenas irritado com aquela impertinência. Logo se arrependeu, segundo ele, e “deu punhados na boca”. Correu então a se confessar. Querem prova mais clara de estar o pobre marido sob a influência do demônio, camuflado no corpo da mulher, embora somente por alguns momentos?
Como se vê a história é antiga. Ainda hoje se vêem alguns prelados ameaçarem com tanta veemência e insistência os fiéis, invocando sua figura e atribuindo a ele tudo de ruim feito pela humanidade, de livre e espontânea vontade, que se fica em dúvida acerca de quem tem prioridade nas preocupações de algumas igrejas: ele ou o deus de cada uma delas. Sempre tenho a impressão de que esse pessoal sonha toda noite, a noite toda, com as labaredas sem fim dos infernos. Talvez porque não seja fácil arrancá-lo do corpo dos possuídos nem da mente desses exorcistas, como bem se pode ver em programas de televisão. Dá muito trabalho e uma suadeira danada, além de requerer alguns trocados como garantia de seu eterno afastamento.
Mas, voltemos às comemorações carnavalescas. Há quem diga que durante os chamados “três dias de folia” o diabo assume os mais imprevistos disfarces, sob formas, se não inocentes, quase inofensivas, justificando talvez o dito popular de não ser tão feio quanto se pinta, mas, ao contrário, de ser de uma beleza deslumbrante nessas ocasiões. Ora seria um destaque feminino de uma escola de samba, na ala das siliconadas. Outras vezes se apresentaria sob a forma de belas mulheres saídas direta e inesperadamente das páginas da revista Playboy. Pura crendice sem nenhum fundamento, preconceito, inveja. Seria a beleza algo diabólico? De jeito nenhum.
 De uma coisa pode se ter certeza. Aqueles que chegaram alguma vez a cair em tentação esboçaram reações sem nenhum entusiasmo ao receber os “maus conselhos”. Pelo menos durante o Carnaval, na hora do ato pecaminoso. Depois, não sei. Sei de sua contribuição para o aumento da população aí por novembro ou dezembro.
Tudo que é gostoso engorda ou faz mal, dizem. Está incompleto o ditado. Devia ser assim: tudo que é gostoso engorda, faz mal ou contribui para o “crescei e multiplicai-vos”.

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