Natureza e Economia
Jornal O Estado do Maranhão
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, divulgou um relatório, elaborado sob a coordenação da ONU, chamado Avaliação Ecossistêmica do Milênio. É o resultado de um trabalho de um grupo de 1.350 cientistas de 95 países, sobre a capacidade atual e futura da natureza de nos fornecer bens e serviços ambientais.
Dois terços destes estão comprometidos em sua capacidade de nos assegurar, por exemplo, água e pescado, reciclagem de nutrientes do solo e controle do clima local. Associados à degradação, estão o aumento nas epidemias, crescimento excessivo no lançamento de fosfatos e nitratos em águas costeiras, provocando o acúmulo de matéria orgânica em decomposição, conhecido como eutrofização, e mudanças climáticas causadas pelo desmatamento. Resultarão daí problemas imensos num futuro próximo, como o surto de cólera ocorrido na África entre 1977 e 1978. No longo prazo, as coisas serão piores. Até 20% das florestas no mundo todo serão suprimidos até 2050, para uso como terras agrícolas e pastos, e a exploração do estoque de peixes além de sua capacidade de regeneração não mudará.
Essas previsões são feitas ceteris paribus, isto é, na suposição de permanecer constante o comportamento atual das variáveis que têm influência no agravamento ou solução das dificuldades. Elas só se cumprirão se a premissa se confirmar. São úteis para nos alertar sobre a necessidade da adoção de medidas capazes de mudar a trajetória presente dessas variáveis, com a finalidade de impedir as previsões de tornarem-se realidade no futuro. Políticas específicas voltadas diretamente para a preservação da qualidade daqueles serviços, nos campos agrícola, florestal, de recursos hídricos, saneamento, qualidade do ar, e outros, podem ser adotadas.
No entanto, é preciso considerar, primeiro, a mais importante pré-condição para a sua máxima eficiência: a forma como os serviços ambientais são considerados na contabilidade nacional. Isso depende, por sua vez, da maneira de a teoria econômica tratar a natureza em sua função de produtoras desses mesmos serviços. Atribuímos a eles um preço de mercado – digo atribuímos porque eles ainda não contam com mercados consolidados –, e a destruição da natureza é contabilizada como perda de “capital natural”, como de fato deveria ser, sendo o valor dela e dos serviços por ela produzidos diminuídos, portanto, do valor do produto nacional calculado inicialmente?A teoria econômica incorpora a natureza como fator de produção na função de produção da economia, que relaciona o produto final aos fatores que tornam possível produzi-lo, como o faz com a terra, capital e trabalho?
A não ser assim, um país pode aumentar seu produto, mas revelar crescimento negativo no momento em que a destruição ambiental for corretamente contabilizada. Seria desejável, num exemplo extremo, aumentar as receitas de um país exportador de madeiras a uma taxa altíssima num ano, se isso fosse obtido à custa da completa remoção de suas florestas? Nos anos seguinte não haveria exportação nenhuma, isto é, os serviços florestais que possibilitaram a geração de receitas anteriormente seriam zero porque o “capital natural” fora completamente destruído.
Foi precisamente a consideração, do ponto de vista da teoria econômica, da ausência da natureza como um fator de produção na função de produção da economia, o objeto da análise feita na segunda parte do meu livro Dois estudos econômicos, de 2003. Ali, chamo a atenção para a necessidade de se levar em conta os recursos naturais como produtor de serviços a serem contabilizados no produto nacional. Isso passa muito longe do romantismo ambiental visto freqüentemente atualmente. Essa é creio eu, a abordagem mais racional aos problemas do desenvolvimento sustentável.
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