Namoro nas prateleiras

Jornal O Estado do Maranhão 
Eu sou um freqüentador assíduo de livrarias. Muitas vezes, vou lá unicamente para namorar. Os livros, bem entendido, as mais recentes publicações. Eu chego, pego uma do meu agrado, vejo se é macia ou áspera, gorda ou magra, sinto a lombada, sua coluna vertebral, com a ponta dos dedos, dou um leve sopro na orelha, avalio a textura da pele, quero dizer, do papel, estimo, da cabeça aos pés, o tamanho, com meu olhar de profundo conhecedor, considero a palidez ou o rubor das caras, perdão, das cores e estimo furtivamente a adequação das formas, a simetria da composição, a suavidade das linhas e a possibilidade de ocorrência de defeitos à primeira vista ocultos, risco sempre presente em nossas escolhas, como me garantiu recentemente um amigo que acabara de se divorciar depois de passar anos acusando a ex-mulher de “falsidade ideológico-matrimonial”.
Só então, (ó mundo materialista, governado pelo vil metal ou pelo ainda mais vil plástico do cartão de crédito!) me lembro de que, para levá-la abraçada comigo, pensando em me deliciar durante um bom tempo, tenho de meter a mão no bolso. Quando meu orçamento está apertado, um drama reaparece. Infelizes momentos são esses! Com um esforço sobre-humano, com o fim de superar o vício, a compulsão de comprar esse objeto de tanto desejo frustrado, adio para outra ocasião sua posse. Começa então a abstinência dolorosa, a inquietação constante e a angústia interminável. Penso na livraria dia e noite, rondo incessantemente sua vitrine, controlando penosamente a vontade de entrar na loja; ou espio de longe e passo depois perto, olhando disfarçadamente pelos cantos dos olhos, fingindo não vê-la. Mas, sempre sou vencido pelo mal e acabo entrando. Só assim alivio o sofrimento, embora temporariamente, porque tudo recomeça com mais força em pouco tempo. Chega inevitavelmente a hora de – reluto em usar a palavra grosseira –comprar a publicação, com ou sem orçamento equilibrado, até a chegada de nova crise. Tem razão quem afirmou serem as livrarias lugar de danação para os portadores dessa síndrome do leitor compulsivo.
Pois descobriram agora que esse é um bom local de “busca de relacionamentos”. Quem estiver a fim de paquerar, de ficar, ou algo assim, segundo os especialistas, ou “entendidos”, deve ir a uma boa livraria. Como o leitor já sabe, os “entendidos” estão por toda parte, sempre dando opiniões definitivas sobre o assunto em discussão, tal como os de mesa redonda sobre futebol, na televisão.
Vejam só algumas dicas sobre a paquera livresca-intelectualesca. Procure as boas casas do ramo, porque lá tem muita gente, o que leva ao aumento das chances de encontrar um parceiro; vá às livrarias nos sábados pela manhã e no lançamento de livros, quando também a turma dá as caras; circule, de tal forma a poder avaliar com mais precisão suas chances de sucesso; verifique se o seu “alvo” não está acompanhado, com o fim de poder se aproximar à procura de um livro na prateleira perto dele; deixe cair um volume, para chamar sua atenção; procure ver se o olhar dele se dirige a você; comente com ele, como não quer nada, algum lançamento recente; convide-o a tomar um café; não deixe de aproveitar a oportunidade de trocar telefones.
Dessa lista, o leitor poderá facilmente deduzir que os “entendidos” não entendem mesmo de nada. Se entendessem, não aconselhariam ninguém a fazer essas coisas, velhíssimos, conhecidíssimos e desgastadíssimos truques de conquistadores caras-de-pau baratos aplicados nas livrarias e em qualquer outro lugar.
Eu, que não sou entendido em coisa nenhuma, vou continuar com meu tipo de namoro nas livrarias. Não permitirei nunca, no entanto, que os ensinamentos dos livros me tornem um entendido em “entendidos”. Entenderam?

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