Marte e Marcianos

Jornal O Estado do Maranhão  
Os americanos enviaram a Marte recentemente um robô. Ele acaba de transmitir de lá imagens de incomum beleza árida. Isso me lembra que foi igualmente americano o primeiro homem, Neil Armstrong, a andar na Lua em 1969. Ele nasceu em Wapakoneta, Ohio, Estado vizinho a Indiana onde eu iria morar depois, durante meus estudos de economia na Universidade de Notre Dame. Armstrong também estudou em Indiana, na Universidade Purdue, na área de engenharia aeronáutica.
Quando eu escrevi aqui, há dois anos, sobre os passos dados até então pelo homem na conquista do espaço, falei sobre o compositor Bart Howard. Ele fez uma canção cuja letra fala de um namorado que diz romanticamente a sua amada: “Leve-me até a Lua/ e deixe-me cantar entre as estrelas./ Deixe-me ver como é/ a primavera em Júpiter e Marte”. Pois agora os americanos com seu espírito prático estão anunciando o fim de todos os mistérios, nascidos da distância e do desconhecimento, do Planeta Vermelho, se a promessa do presidente Bush de iniciar um novo programa espacial capaz de levar o homem a Marte não for apenas uma estratégia de marketing com o objetivo de ajudá-lo a se reeleger ao cargo.
Esse planeta tem servido para atiçar a nossa imaginação. Ao contemplá-lo como uma pequena estrela avermelhada, tão perto de nós pelos padrões astronômicos, mas longe pelos nossos, ficamos a imaginar se a espécie humana seria tão solitária a ponto de não ter como companhia, pelo menos lá, seres parecidos conosco, porém mais inteligentes, se bem que pequenos e esverdeados, para nos fazer companhia na vastidão de um universo fascinante para nós desde quando tentávamos sobreviver nas cavernas.
Mas, ao falar de Marte não posso deixar de lembrar um episódio ocorrido em 1971 em São Luís. Sob a direção de Sérgio Brito e com inspiração em um programa de 1938 de uma estação de rádio de Nova York, da cadeia CBS, apresentado por Orson Wells que, por sua vez, se baseara no livro de ficção científica A guerra dos mundos, de H. G. Wells, a rádio Difusora começou, numa manhã de sábado, a transmitir “ao vivo” um ataque marciano à Terra.
Não ocorreu e não ocorreria a ninguém naquele momento perguntar por que os pequenos seres verdes de Marte escolheriam São Luís e não Washington, por exemplo, com o fim de iniciar a invasão da Terra. Discos voadores chegaram a “pousar” no campo de Perizes, expelindo uma fumaça que não tardou a sufocar o locutor, J. Alves. Ele dava informações das proximidades do local onde estavam os invasores.
Confissões de pecados mortais por muitos senhores e senhoras até então considerados indiscutíveis reservas morais e comovidos pedidos de perdão foram feitos naquela hora. Tornaram-se, essas revelações, fontes de arrependimentos mais tarde. Não deixaram de ser negadas, contudo, sob o argumento de terem sido mal entendidas pelos que as ouviram, por causa da tensão do momento.
Se diferença houve entre o pânico da população da cidade e o do povo americano ante uma ficção que parecia realidade à maioria das pessoas (felizmente essas transmissões não eram feitas para o mundo todo na época, embora já o fossem em cadeia nacional nos Estados Unidos, mas não aqui), ela foi quase nenhuma. Como em outra canção, esta brasileira, de Assis Valente, chamada “E o mundo não acabou”, teve gente que beijou “a boca de quem não devia” ou pegou “na mão de quem não conhecia”.
Entre os que acreditaram na “invasão – o grosso dos que ouviram a notícia, creio –, nem todos se deixaram levar pelo medo. Um deles foi meu tio Haroldo Raposo, homem conhecido por sua coragem desde os tempos de moço em Cajapió, acostumado a disputas, não de marcianos, mas de terráqueos, como oficial de justiça, e às de galos, como criador desses animais e antigo freqüentador da rinha do bairro do João Paulo, aonde muitas vezes eu ia com ele há tempos. Ele sacou de um revólver, sacudiu-o com força no ar e, numa reação bem característica, declarou sem hesitar: “Eu posso morrer, mas vou levar muito marciano comigo”.

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