John Gisiger

Jornal O Estado do Maranhão    
Um dia um norte-americano que vivera toda sua infância e adolescência no Brasil, decidiu deixar a confortável posição de arquiteto-chefe de conceituado escritório de engenharia bem como os altos salários que poderia obter em outras empresas, no Rio de Janeiro, onde morava. Não estava satisfeito com seu próprio estilo de vida.
Sem dizer nada a ninguém, partiu numa longa viajem que o levaria, ele esperava, ao encontro de si mesmo e dos outros seres humanos. Vendeu em Goiânia seu automóvel e seguiu até a fronteira do Brasil com a Colômbia. Desceu depois o rio Amazonas em pequenos barcos, fascinado pela floresta tropical, e chegou a Manaus onde trabalhou por alguns meses em firma de arquitetura. Seguiu depois até Belém, lá permanecendo pouco tempo.
Decidiu a vir a São Luís, chegando aqui a bordo de uma típica “canoa costeira” em 1977. Alugou o mirante do prédio construído por Lourenço Belfort em 1756 no Largo do Carmo, e pôs-se, já tomado de amores pela cidade, a desenhar seus prédios históricos. O destino se materializou então em Miguel Nunes, então presidente da Cemar, que dele tivera notícia e recomendara sua contratação a Paulo Marquesini, secretário de Planejamento do Estado, apresentando-o, por fim, a Phelipe Andrès, igualmente recém-chegado, pelas mãos do mesmo Miguel.
Eu já mencionei em crônica de 2001 a importância do trabalho de Phelipe para a revitalização do centro velho de São Luís. Ele coordenava naquele ano estudantes do Projeto Rondon em pesquisas que resultariam no livro Monumentos Históricos do Maranhão, e John Gisiger, – esse o nome de nosso viajante – já contratado pela Secretaria de Planejamento com o fim de elaborar uma proposta de preservação da área degradada, fazia levantamentos técnicos, também sobre nosso acervo arquitetônico. Desse encontro e da troca de experiência entre o pesquisador e o urbanista, surgiram algumas idéias sobre a melhor maneira de revitalizar a área.
John foi o primeiro a construir uma maquete da Praia Grande. Com ela ilustrou em três dimensões as suas propostas. O conjunto de desenhos, plantas e perspectivas de sua autoria serviu de orientação para I Encontro Nacional da Praia Grande, em outubro de 1979, do qual participaram especialistas de todo o Brasil e do exterior. Durante o evento, foram estabelecidas as bases conceituais de políticas de preservação de áreas urbanas de valor histórico. De lá para cá, tudo que se fez em benefício da revitalização do centro antigo de São Luís traz a marca das idéias dele.
Ele ficou aqui até 1983. Eu o encontrei apenas uma vez, ainda em 1977, no extinto Banco de Desenvolvimento do Maranhão, onde eu trabalhava. Ele e Phelipe tinham ido lá obter informações sobre financiamento a projetos. Nada conseguiram naquele momento, mas é bom dizer hoje que aquela primeira decepção não desencorajou os dois visionários.
Durante seu período entre nós, John trabalhou com denodo pela nossa memória histórica. Mas, sofreu com a reação xenofóbica de algumas facções provincianas. Quando teve de esperar em vão, durante sete horas na ante-sala do gabinete de uma autoridade, decidiu voltar para os Estados Unidos. Tudo que possuía então de bens materiais era uma porta-e-janela na rua dos Craveiros.
Agora chega a notícia de sua morte em Washington, onde ele residia, trabalhando como consultor do Banco Mundial em assuntos humanitários. Viajava para os países do Caribe arrasados pelos furacões ou cumpria missões na África.
É justo fazer este registro, pois John amou profundamente São Luís e quase com certeza encontrou aqui um sentido para sua vida. Agora, é parte de nossa história e merece homenagem, a ser gravada talvez em placa de bronze na própria Praia Grande, bairro que agora, redivivo, traz a marca de sua criatividade.

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