As Índias

Jornal O Estado do Maranhão 
Em recente viagem à Índia o presidente Lula ralhou com os exportadores brasileiros ao dizer que eles deveriam vender mais e reclamar menos. De fato, os empresários têm reclamado, com razão, da burocracia estatal, pois, parece-me, é dela, principalmente, com seus regulamentos e normas confusos e obscuros, que eles se queixam.
Ela tem sido no Brasil um poderoso fator de inibição das exportações, especificamente, e das atividades econômicas, de um modo geral, bem como um inaceitável agente de opressão do cidadão indefeso nas suas mais corriqueiras atividades no trato com o Estado. Procedimentos vistos pelo senso comum como banais tornam-se garras da impenetrável lógica burocrática e instrumentos de seu autocrescimento e autojustificação. Somente quem nunca a enfrentou pode reclamar de quem reclama dela.
Esse não é certamente o caso do presidente Lula. Nos seus tempos de líder sindical quantas vezes não terá lutado contra a burocracia. Esta, provavelmente, era manipulada pelo regime militar com a intenção de tornar a vida dele difícil, mais do que já o era para um operário de uma sociedade distante ainda de proporcionar à maioria de seus cidadãos os direitos básicos à segurança material e à liberdade.
Mas, precisamente da Índia vem um exemplo de como a eliminação de entraves burocráticos, assim como de preconceitos ideológicos, pode tornar mais fácil o início de um processo consistente de desenvolvimento, única forma de arrancar um povo da pobreza, sem as ilusões de programas sociais de doação que reforçam a cultura da dependência e humilham os supostos beneficiários.
Lá, segundo dados da revista Veja, são necessários 88 dias e 10 procedimentos quando se abre uma empresa, números altos ainda, mas em declínio. No Brasil, pena-se durante 152 dias, quase o dobro, através de 15 procedimentos, número 50% maior do que o dos indianos. A carga tributária é de 10% do PIB (no Brasil, 40%), o juro real é de 8% (no Brasil, 12,8%), a poupança interna é de 22,4% do PIB (no Brasil, 18%) e suas reservas internacionais estão em US$ 102 bilhões (no Brasil, US$ 53 bilhões).
As reformas implementadas nos últimos tempos atacaram a papelada inútil daquele país de mais de um bilhão de habitantes, que está mudando rapidamente, colocando-se à frente do Brasil em vários campos. Todavia, elas foram mais amplas. Eis um exemplo. As restrições à propriedade por estrangeiros de empresas instaladas na Índia foram praticamente eliminadas em quase todos os setores da economia.
Essa atitude sensata tornou possível a obtenção de uma taxa de crescimento média anual de 6% nos últimos 5 anos, o dobro da mundial, perto da taxa da China e três vezes a do Brasil no mesmo período. Como conseqüência, o número de pessoas da classe média, isto é, com uma capacidade de consumo que lhes permite adquirir bens além daqueles destinados a lhes assegurar a sobrevivência imediata, como alimentação, vestuário e moradia, dobrou desde 1995, passando a 100 milhões de pessoas. Em outras palavras, o mercado interno expandiu-se consideravelmente, tornando lucrativos investimentos para atender a uma demanda interna ampliada.
Há, evidentemente, muitos problemas na Índia no campo social. O vergonhoso sistema de castas diminui a mobilidade social no país. Seu Índice de Desenvolvimento Humano - IDH ainda é baixo, comparado com o do Brasil e o de outras nações, e 350 milhões de indianos sobrevivem com menos de 1 dólar por dia.
Paradoxalmente, seu sistema educacional é muito bom, tendo produzido até agora excelência científica incontestável e 6 ganhadores do Prêmio Nobel, tanto em física, medicina e economia, quanto em literatura.
Mantidas as atuais tendências, o país, como a Coréia do Sul nos anos cinqüenta, poderá, em uma geração ou duas, eliminar a pobreza. Se de lá já importamos e nacionalizamos a mangueira, a jaqueira e o coqueiro, que hoje, depois de séculos, nos parecem tão nossos, por que não experimentar o exemplo dessa Índia Oriental nestas Índias Ocidentais brasileiras?

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