Pantojão
Jornal O Estado do Maranhão, 16/5/2010
Quando morre um amigo de décadas – amigo de 43 anos no caso de Afonso Celso Santos Pantoja –, é inevitável lembrar-me daquelas palavras de Machado de Assis, ditas há 122 anos, por ocasião da morte de seu amigo maranhense Joaquim Serra: “Quando há dias fui enterrar o meu querido Serra, vi que naquele féretro ia também uma parte da minha juventude.”.
Envelhecer é em grande parte isso, ver que pouco a pouco parentes e amigos, gente que conosco conviveu por longo tempo, vão desparecendo, levando (para onde, afinal?) um pedaço do patrimônio em comum conosco, sua cota, por assim dizer, sem o ausente nomear um substituto, de um condomínio compartilhado de ideias, alegrias, tristezas, decepções, amores, ódios e todos os mais sentimentos que são parte da aventura de viver, e, ao mesmo tempo, e a despeito desse compartilhamento, formam experiência singular a cada ser humano, impossível de ser comunicada ao próximo em sua plenitude ou, ainda, de ser sentida como se fosse de outro. Todo homem é uma ilha em verdade.
Cada um dos amigos terá sua própria imagem de Pantoja. Eu gostava de chamá-lo de Pantojão, não somente por seu tamanho físico, mas por sua viva inteligência, raciocínio rápido, sensibilidade às coisas da cultura, capacidade executiva, visão aguçada dos problemas de nossa terra, conhecimento seguro da economia e da teoria econômica, crença no papel do estudo e do esforço pessoal como forças de libertação material e espiritual das pessoas.
Sua reverência aos amigos está bem demonstrada pelo nome dado por ele e Lúcia, sua esposa, a um dos filhos: José, em homenagem a Bandeira Tribuzi cujo nome completo era José Tribuzi Pinheiro Gomes; Manuel, em homenagem a Manuel de Jesus Pinheiro Dias, resultando em José Manuel, o querido Zeca de todos. Ambos os homenageados eram amigos muito próximos de Pantoja, sendo o Manuel mais velho, nosso colega, meu e do morto recente, na Faculdade Economia, turma de 1970 que este ano completa, portanto, 40 anos de formatura.
Com o fim de bem avaliar-se a sensibilidade de Pantoja aos assuntos culturais e educativos, cito três fatos, tendo eu participação em dois.
Um foi a edição de Arte do Maranhão – 1940-1990, livro patrocinado pelo extinto Banco do Estado do Maranhão – BEM, sendo ele seu presidente. Foi dele a iniciativa da edição, depois de ouvir sugestão de Jesus Santos, um dos grandes artistas plásticos do Maranhão, idealizador do projeto e responsável pelo texto de apresentação da obra cuja confecção Pantoja colocou sob a competente coordenação de Eliézer Moreira Filho. Trabalho único e de extraordinária importância para o estudo das artes plásticas do Maranhão, poderia ter ficado apenas no papel não fora a ação de Pantoja.
O segundo fato constituiu-se na compra pelo BEM da importante biblioteca do acadêmico Antônio de Oliveira e sua doação à Academia Maranhense de Letras. Eu então não era ainda membro da AML. Todavia, por causa de minha amizade com Pantoja, pude participar, com o então presidente da Academia, Jomar Moraes, de reunião com ele, quando solicitamos os recursos para a aquisição, prontamente concedidos. Ele ainda patrocinou o transporte dos livros do Rio de Janeiro até São Luís.
O terceiro foi este. Eu obtive os graus de mestrado e doutorado na Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, prestigiosa instituição classificada entre as 20 melhores universidades americanas, onde Pantoja havia feito pós-graduação em Economia. Eu me candidatei a uma vaga lá sob a sugestão e o incentivo dele que via minha ida àquele país como a continuação do processo, por ele iniciado com seus próprios estudos lá, de investimento altamente produtivo na boa formação dos economistas maranhenses.
Pantoja quis a cremação de seu corpo e o lançamento das cinzas nas águas que envolvem nossa ilha. Fez bem. As saudades eternas dos cemitérios não resistem à passagem das gerações, como é natural. Em comunhão com as águas de seu túmulo líquido, ele poderá em circundante abraço tocar a terra que lhe foi berço e cochichar-lhe palavras de amor.
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