Boa Notícia
Jornal O Estado do Maranhão, 4/4/2010
Já se passaram vários anos. Foi em fins dos anos 90, quando vivi uma situação inusitada como Secretário de Meio Ambiente do Estado. Um dia chega ao meu gabinete um homem chamado Chico do Pote. Ele vinha pedir a liberdade de um papagaio que fora apreendido em virtude da família de Chico não ter licença para mantê-lo em cativeiro. Não quero encompridar a conversa. Resumo.
A sogra dele deixou de comer e dormir depois da apreensão e colocava a culpa no genro. A esposa, grávida, corria o risco de perder a criança. As duas, segundo o relato do homem, eram do tipo espalha-brasas (mal de família, ele dizia) e não lhe davam trégua, ameaçando-o até de espancamento. “Minha vida virou um inferno”, ele lamentava. Concordei, sob certas condições e de conformidade com a legislação, em libertar o animal, depois de transformar a multa em advertência e providenciar no Ibama a devida licença para ele que não saberia mais viver na natureza. O bicho, no período de sua “prisão” calara-se por completo, em protesto contra a injustiça. Libertado, recuperou a voz e voltou a contribuir para a alegria e harmonia de seu lar humano.
Contei essa história numa crônica de 2001e comparei-a à de uma acontecida com um casal chinês. Um cidadão mandou a mulher passar uma temporada na casa da sogra e ficou não propriamente sozinho, pois teve a companhia justamente de um papagaio e de uma jovem rapariga de olhinhos puxados. Parecia a ele um negócio da China. Resultado, na volta da mulher, o sabidão foi dedurado por seu animal de estimação que começou a revelar as juras de amor dos pombinhos (ou será papagaiozinhos?) e as referências pouco elogiosas à esposa e à mãe dela. No fim, o marido recebeu o bilhete azul. Num caso, a ave maranhense traumatizada ficou muda, porém deu uma contribuição à felicidade da família; no outro, a tagarela dedurou o marido e provocou a separação dos esposos.
Minha intenção ao contar esses episódios era mostrar que situações com elementos ou personagens em comum muitas vezes carregam em si significados diferentes e até opostos. Mais ainda, que o administrador público precisa conhecer a situação sócio-econômica do ambiente de sua atuação. Tal conhecimento poderá ajudá-lo a aplicar judiciosamente a lei, evitando a geração de danos maiores do que eventuais benefícios à sociedade como um todo e a seus membros mais desprotegidos em particular. Não se trata de passar a mão na cabeça de infratores e posar como bonzinho. O caso é de tomada de decisões bem informadas e sustentadas na lei e no bom senso. Quantas vezes ouvi no interior do Maranhão, em nossa luta em defesa da integridade do Parque Estadual do Mirador, esta frase: “Está bem, doutor, eu não desmato mais, mas quem vai dar de comer aos meus filhos?”. O que fazer?
As histórias me vieram à mente por causa de acontecimentos recentes aqui relatados há quinze dias com 4 barcos artesanais de pesca típicos de técnicas de construção naval tradicionais do litoral maranhense apreendidos pelo Ibama. Eles estavam transportando caranguejo no período de defeso, infringindo a lei. Dois foram deixados no Estaleiro-Escola do governo do Estado e 2 foram entregues à Secretaria de Meio Ambiente de São José de Ribamar. Se julgarmos o comportamento de seus proprietários, pescadores da Baixada Maranhense, sem consideração de diversos outros fatores econômicos e sociais, inclusive grau de instrução e ausência de alternativas de sobrevivência, poderemos chegar a conclusões erradas e agir com severidade excessiva. O melhor caminho estará, assim, em aplicar a lei sem adotar, no entanto, um rigor indiferente à realidade e sem tirar do infrator seu ganha-pão, os próprios barcos neste caso, e, em cooperação com outras instituições, buscar a identificação de fontes alternativas de trabalho para esse pessoal. O Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, possui programas voltados a esse objetivo. Felizmente, o bom senso e a boa vontade parecem ter encaminhado o problema a uma solução satisfatória a todos os envolvidos na apreensão. É a boa notícia que recebo.
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