Supostismo

Jornal O Estado do Maranhão

O leitor deve conhecer o gerundismo, praga sobre a qual falei mais de uma vez aqui. Ela é encontrada facilmente, ameaçadora, em qualquer empresa de telemarketing e em call centers de serviços de telefonia e distribuição de energia elétrica. Todo mundo um dia vai se deparar com ele: “sua reclamação sobre a constante falta de energia vai estar sendo atendida em breve”, ou “o senhor vai estar recebendo um comunicado sobre a resolução do problema”. Estrutura da língua inglesa com palavras em português, é forma de contaminação lingüística bastante danosa, porque, como afirmam especialistas no assunto, não se trata apenas da incorporação de palavras de outro idioma, normal no contato entre diferentes idiomas, mas da estrutura sintática estrangeira. O mal não tem dado sinais de diminuir o ímpeto. Ao contrário, o gerundismo, de tão comum, não chama mais a atenção. E, pior, muita gente não percebe seus próprios hábitos gerundistas e toca a usá-lo, achando-se sofisticado no falar. Os males, dizem os mais pessimistas, ou realistas, vêm em ondas, nunca isoladamente. Deve ser por isso que vemos a emergência de um parente próximo do gerundismo: o supostismo. Vejam esta notícia, entre centenas encontradas na imprensa diária, tirada ao acaso de um jornal do sul do país, não diferente dos locais neste aspecto: “Segundo ele, Ruth Cardoso teria sido quem impulsionou a unificação dos programas de transferência de renda e de combate à fome no país e teria sido ela quem persuadiu o então presidente Fernando Henrique a adotar esse sistema unificado em nível nacional.”. O que afinal, o jornal está tentando dizer? Que, segundo uma fonte, Ruth Cardoso fez isso ou aquilo? Ou que a fonte apenas supunha que ela fizera tais e tais coisas? Por que não dizer simplesmente “Segundo ele, Ruth Cardoso foi quem impulsionou [...]”. Se impulsionou ou não, fica evidente das palavras de quem deu a opinião, que não se confunde com a eventual opinião editorial. Se a intenção é salvar responsabilidades pela informação, fazendo o leitor identificar sua origem em alguém de fora da redação, sem ligações com o jornal, bastaria tirar o condicional, como sugeri. Tudo ficaria bastante claro. Essa é uma forma de supostismo meio disfarçado, sem o uso explícito da palavra suposto. Outro exemplo: “A prisão temporária foi pedida pelo Ministério Público Federal do Amapá, num desdobramento da Operação Toque de Midas, que investiga suposto esquema de fraudes em licitações no Estado.” Qual a razão do uso do “suposto”. O esquema existe, pois investigações foram feiras. Trata-se somente de obter provas contra os acusados. O suposto é dispensável. Tomemos outro exemplo hipotético do fenômeno, mas representativo de notícias sobre crimes de assassinato: “Segundo o delegado, o suposto assassino seria Fulano de Tal. Ele teria afirmado sua inocência, dizendo que no dia do crime estaria em outra cidade, a 300 quilômetros de distância do local do crime”. Parece-me um excesso de condicionantes: “segundo”, “suposto”, “teria” “seria”. Mais claro, direto e sem voltas seria dizer: “Segundo o delegado, o assassino é Fulano de tal [...]”. Transcrever a declaração do delegado é suficiente para prevenir-se contra a acusação de pré-julgamento. Já vejo a hora de lermos uma notícia como esta: “O presidente da República, com o suposto nome Lula, mas em verdade batizado como Luís Inácio da Silva, inaugurou mais uma obra do Programa de Suposta Aceleração do Crescimento – PRO-SACO, que, afirmam fontes governamentais, irá tirar supostos pobres da situação de dificuldades atual e, supostamente, torná-los ricos, felizes e satisfeitos, a fim de dedicarem-se em tempo integral a reflexões filosóficas sobre o sentido da vida e significado da morte”. Supostamente, supostamente.

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