A Menina
Jornal O Estado do Maranhão
O espanto levou os presentes, em uníssono, a um prolongado Oh!, com ecos no ambiente solene. Expressavam admiração pela bravura da menina. Vejam sua valentia, diziam, vejam. Toda aquela gente – parentes de certo modo estranhos, pois ela não os havia encontrado muitas vezes ainda, amigos dos pais, dos avós, o primo, todo mundo –, não a inibiu. Ela permaneceu altiva, mas simples, como uma rainha da Suécia, só que de cabelos e olhos negros, orgulhosa como anunciou ser desde o dia de seu nascimento apenas dois meses antes. Seriam olhos de ancestrais indígenas ou asiáticos? Cópia dos da mãe, com certeza, elas os movia de um lado a outro e com eles dizia tudo sem pronunciar nada: Não me verão chorar, nem agora nem depois, antes de eu adormecer depois deste ritual. Se estivesse sentada, a plateia se levantaria para aplaudir e pediria bis pelo resto do dia.
Mas, de pé desde o início, os presentes bateram palmas de admiração, deram vivas entusiasmados e brados de aprovação. Se não houve de fato tais manifestações, então é a emoção de ver a coragem ou a vera coragem dela que me atiça a imaginação e nos fez, os presentes, naquela hora, ficar momentaneamente incapacitados de mover as mãos e os lábios. Fomos movidos, porém, na alma, pelo sentimento que está nela, "o amor que move o sol e as mais estrelas".
Havia sobre nós a vigília do deus de nossa milenar tradição e seu mandamento: com tal disposição, nada na vida lhe será obstáculo, ninguém haverá capaz de fazê-la retroceder, nenhuma determinação será tão duradoura quanto a sua, nenhum amor maior, nenhuma luz de mais intenso esplendor, nenhuma comunhão com os que amamos mais perfeita do que a dela.
Não se disse ainda a razão de tanta admiração. Foi isto. Quando o padre César, na Igreja da Sé, derramou a água sagrada na cabeça da menina, sacramentando sua entrada na Igreja, Ludmila – é da filha de minha filha, Daniela, e de Fábio, de quem falo – ergueu a cabeça, pois os padrinhos a seguravam a certa altura com o rosto voltado para baixo, mostrando, com surpresa tão só dos que não a conheciam, rara valentia, pois não se viu uma lágrima sequer em seus olhos: Não chorou, não chorou, diziam. E por qual motivo deveria chorar quem só terá razões de ficar alegre durante uma vida que será longa e feliz? Ela deixará marca indelével no mundo, pois será boa, justa, verdadeira, sábia e amiga. Isso basta, em comunhão com os seus e com o Universo, de cujo barro todos somos feitos.
Ver Ludmila é ver toda a longa corrente de seres, cada um único e insubstituível, formada pelas sucessivas gerações que nos precederam e pelas que nos irão suceder até o infinito, estas com os próprios filhos e netos dela. É ver a unidade humana. É ver bisavós e ver bisnetos que virão quando meu tempo já tiver passado. Se, porém, nada do que eu fizer no mundo for um dia lembrado, e apenas ela se lembrar de seu avô, então não terei morrido. Assim seja.
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