Marolas e Ondas
Jornal O Estado do Maranhão
Inaudito imaginar o Brasil atravessando incólume a crise mundial destes tempos. Seria mero wishfull thinking, pensamento guiado pelo desejo, ou, por outras palavras, crença, inconsciente ou não, de que basta pensar com fervor em algo para ele se tornar realidade. Tal visão constitui a base mental da economia vudu, origem de tantos males às populações cujos governos por ela se guiam.
Estas reflexões me ocorrem a propósito das declarações recentes do presidente Lula a respeito de possível imunidade brasileira à crise global que vem afetando todos os países de fato importantes na arena econômica internacional. O presente tsunami chegaria aqui apenas como marolinhas em nada capazes de causar distúrbios de monta ao país. A atividade produtiva não seria afetada (a crise seria financeira e sem efeito no lado real da economia) e, por consequência, não haveria aumento de desemprego, diminuição de renda e todo o longo cortejo de males que acompanham tal fenômeno, por sinal cíclico, remédio amargo, mas necessário, no longo prazo, à eficiência do sistema capitalista. Este, apesar das crises, ainda não encontrou sucessor a sua altura. Nem encontrará em que pese o ranger de dentes do infantilismo esquerdista.
No entanto, as marolinhas não seriam o atual intangível produto de desejos se constituíssemos um sistema autárquico, à La Robinson Crusoe, sem relação alguma com o resto do mundo, ou quase nenhuma, como a da progressista Coreia do Norte, exemplo vivo das vantagens do isolamento com relação às correntes de trocas mundiais, que livra o país do contágio capitalista para lançá-lo e à classe operária no jardim do Éden.
Quais são, hoje, afinal, os principais macroindicadores da nossa atividade econômica? Os números a seguir são do Banco Central (http://www.bcb.gov.br/?INDECO). O índice geral da produção industrial de fevereiro assinala queda de 17% em relação ao mesmo mês de 2008. O mesmo índice relativo à produção de bens de capital (máquinas e equipamentos) mostra redução de 24,4%. Como estes são bens capazes de produzir outros bens e serviços, principalmente os de consumo, deve-se esperar mais adiante e antes de qualquer recuperação o prosseguimento de quedas na produção destes últimos, cuja situação em fevereiro não era menos inquietante.
No todo, a produção de bens de consumo caiu em fevereiro quase 9%, em relação ao mesmo mês do ano passado. Quando se olha, porém, tão só a produção de bens de consumo duráveis (prestadores de serviços ao consumidor por um período de tempo longo, como eletrodomésticos em geral, automóveis, etc.) vê-se uma queda de 24,%, apesar do crescimento das vendas da indústria automobilística, impulsionadas pela redução do IPI, medida necessariamente temporária pois não foi parte de desejável reforma tributária. Os bens de consumo não duráveis, por sua vez, (alimentos, bebidas, etc.) caíram "apenas" 3,3%. Nos momentos de crise o consumidor reduz primeiramente o consumo dos duráveis. Não é difícil entender porquê. Adiar a compra de um carro novo, de uma geladeira ou de um computador é mais fácil do que diminuir o consumo de alimentos. O índice do pessoal ocupado na indústria caiu 2,5%, número nada surpreendente diante dos números de produção industrial vistos acima.
Os indicadores são inescapáveis, cristalinos e insofismáveis: a crise internacional é profunda e não deixa de visitar nenhum país. As previsões da Cepal sugerem que as maiores queda de PIB na América Latina em 2009 serão do Brasil (1%) e México (2%). O governo federal vem atuando para amenizar os efeitos da retração. Mas, ainda assim, as consequências negativas sobre nossa economia são inevitáveis. O perigo é encará-las como simples e inofensivas marolas e não ondas com imenso poder de destruição de renda e emprego.
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