Justiça na Mídia
Jornal O Estado do Maranhão
É comum no Brasil juízes de tribunais superiores emitirem de público opiniões sobre assuntos de interesse da sociedade. Não se trata, é óbvio – não é ocioso enfatizar o óbvio na nossa cultura – de cercear o direito de os magistrados terem opinião. No entanto, a continuar assim, eles darão a impressão de prejulgarem casos que no futuro possam chegar à corte onde atuam. Juiz só dá sua opinião nos autos do processo, como dizem meus amigos advogados e como recomenda o bom senso e a experiência. Se o processo ainda não existe, mas pode existir logo à frente, então os juízes deveriam agir hoje como se já existissem, abstendo-se de proclamar aos quatro ventos seu pensamento sobre o assunto e abrindo mão dos breves momentos de enganosa fama. Ademais, quem garante que a eterna inconstância dos julgamentos humanos não os levará a modificar avaliações com aparência de perfeitas no início? O pleno conhecimento do processo e a consideração ponderada de todos os ângulos da disputa poderá levá-los a rever julgamentos prévios.
Essas ideias me ocorreram após o lamentável episódio do bate-boca público em rede nacional de televisão entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o ministro Joaquim Barbosa. Demonstraram ambos que entraram no Tribunal, mas o espírito do Tribunal não entrou neles nem dá sinais de querer entrar ou sequer passar perto deles. Homens por suposto mestres de civilidade, decoro e respeito às formalidades do cargo, agiram como beberrões de mesa de bar que é para onde deveriam ter se dirigido para resolver suas miúdas diferenças político-ideológicas. Mas, não quero perder muito tempo com essas coisas deprimentes que mostram a degradação a que nossas instituições estão chegando.
No meio do pugilato verbal, o ministro Barbosa apontou uma verdade: a presença quase diuturna do presidente Gilmar Mendes na mídia nacional. Entende-se que o presidente da República, particularmente se seu nome é Luiz Inácio, esteja diariamente nos meios de comunicação. Nunca antes na história deste país um presidente apareceu tanto. Ele é político e, como tal, quer mesmo mostrar a cara todo dia, sonho nem sempre alcançado pelo obscuro baixo clero que agora ameaça fazer uma rebelião na Câmara dos Deputados contra medidas de controle da farra das passagens. Alguns chegam, até, a falar de ameaças à estabilidade familiar e ao funcionamento do Congresso pela ausência dos parlamentares às sessões, obrigados, os pobres, a permanecer no aconchego familiar nos Estados pois seus parcos salários não lhes permitem comprar passagens, metendo a mão no próprio bolso. Só no da viúva.
Não se entende as frequentes entrevistas do presidente de Gilmar Mendes e de muitos outros magistrados. Louvo sua coragem em enfrentar a pirotecnia e os excessos da Polícia Federal e algumas outras questões de interesse da sociedade. Ele falha, porém, em não resistir ao impulso de parecer famoso. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional veda aos magistrados "manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério". Por que não estender o espírito da lei aos casos em que, embora não havendo processos pendentes de julgamento, o assunto tenha a possibilidade de chegar às cortes superiores, de acordo com critérios a serem definidos? Tudo no Brasil não chega ao Supremo, com a Constituição-Código que temos?
Acredito na capacidade do Judiciário de lidar com a situação, de tal forma que seu papel histórico fundamental, de contribuição para a consolidação da democracia brasileira, seja mais uma vez reafirmado. Sejamos otimistas, apesar de tudo.
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