Duas figuras maranhenses


Jornal O Estado do Maranhão

Em apenas cinco dias saíram fisicamente da vida, para vivos continuarem nas recordações de todos nós, Manoel Caetano Bandeira de Mello, no Rio de Janeiro no dia 8 deste mês, e Luís Carlos Bello Parga, em São Luís no dia 13, membros mais do que ilustres – porque ilustradores da cultura de seu tempo –, da Academia Maranhense de Letras, onde ocupavam e, podemos dizer, ainda ocuparão, porque seus nomes ficarão eternamente ali gravados, a Cadeira de No 11, o primeiro, patroneada por João Lisboa, e a Cadeira de No 33, o segundo, patroneada por Pedro Nunes Leal. Deixaram ambos sua marca no mundo, na sua época e na lembrança de seus amigos, familiares e contemporâneos, que deles se lembrarão por suas qualidades de homens íntegros, dedicados ao trabalho e, sobretudo, à vida do espírito e ao engrandecimento cultural do Maranhão e do Brasil.
Nunca encontrei Manoel Caetano pessoalmente. No entanto, desde minha candidatura a uma cadeira na Academia mantivemos vários contatos telefônicos. Nos últimos meses, ao trabalhar na nova edição dos Perfis acadêmicos, publicação que dá informações sobre os acadêmicos e a Academia, tive de atualizar as informações biobibliográficas dos membros da Casa. Pois este homem de quase noventa anos de idade, em quem percebi todas as qualidades de gentileza e cavalheirismo que seus amigos próximos sempre me disseram ter ele, como as têm aqueles de alma verdadeiramente boa e elevada, a exemplo dele, deu-se ao trabalho de me enviar, escrita de próprio punho, sua biobibliografia, que ele transcreveu da edição anterior dos Perfis, atualizando onde necessário. Era, como se vê, pessoa simples, sem poses, mas consciente de seu valor e de seu talento, que se refletiam não só em sua obra de extraordinário poeta, mas na de ensaísta preocupado com as questões de estética, que estão no cerne mesmo do conceito de obra de arte, e de que é exemplo o ensaio A estética na obra de Machado de Assis. Neste imagino temperamento semelhante ao de Manoel Caetano e vejo o mesmo senso estético apurado e elegância no labor literário e na vida.
Com Luís Carlos Bello Parga tive contatos mais próximos, embora não íntimos. Fui tomado de espanto e admiração com a disposição dele de, nos últimos meses de vida, já enfraquecido pela enfermidade que o venceria afinal, participar das sessões semanais da Academia, mostra inequívoca de seu prazer com o convívio acadêmico e apreço pela Academia. Mas, ele era muito mais do que o companheiro à vontade entre seus pares. Era homem de extraordinária cultura, de grande erudição e atento às novas tendências culturais do mundo moderno, não unicamente na literatura, mas no teatro, nas artes plásticas, no cinema, na escultura, na música, clássica ou popular e em tudo mais.
O domínio da língua inglesa permitiu a ele o lançar-se à extraordinária aventura de traduzir para o português poetas de língua inglesa, em obra inédita, Lira alheia. Tradução é tarefa árdua. Mais ainda, de poesia, por suas características, entre outras, de sutis e inesperadas alterações no sentido cotidiano das palavras, de deslocamentos semânticos surpreendentes, levando-nos a ver nela uma lógica própria, além do mero significado das palavras. Um tradutor de poesia haverá de ter, como Bello Parga tinha, não somente a compreensão disso e o comando perfeito das duas línguas, como sensibilidade bastante para conseguir na língua de chegada a mesma força expressiva da de partida. A fim de bem avaliarmos as dificuldades ou a quase impossibilidade de tradução de poesia, lembremos as palavras do poeta americano Robert Frost: “Poesia é o que ficou para trás na tradução”.
Lamentemos as mortes das duas grandes e inesquecíveis figuras maranhenses, mas louvemos também dois espíritos superiores.

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