Fora o Fica
Jornal O Estado do Maranhão
Têm sido recorrentes propostas feitas por parlamentares de permissão de um terceiro mandato presidencial, sob o argumento da vigente popularidade do presidente. Se ele está bem, pelo menos na opinião da maioria, por que mudar? Melhor, argumentam, é deixar as coisas como estão, em que pese a possibilidade de piora na avaliação de Lula por causa da crise econômica. Mudanças na forma como o governo é avaliado ainda não se materializaram, penso eu, porque, no Brasil, apenas agora os efeitos dos problemas econômicos globais começam a apresentar efeitos relevantes em termos de aumento no desemprego e diminuição da renda das famílias.
Usando uma surrada metáfora futebolística tão ao gosto de Lula, em time que está ganhando não se mexe. Mexa-se até na Constituição, com o fim de permitir duas, ou, quem sabe, um número ilimitado de reeleições, mas não na equipe e muito menos no técnico. Com mais conveniência ainda, mantenha-se o presidente do time Brasil.
Tudo isso me faz lembrar o que escrevi em crônica de 10 de junho de 2001, há quase oito anos, portanto, com o título “Fora o ‘fora’”. Eu fazia comentários sobre a prática da época, do antigo PT, de querer botar para fora do cargo o então presidente toda vez que a popularidade dele caía. Quando subia, não se ouvia nenhum “fica”. Minhas palavras: “Tornou-se um reflexo condicionado, pavloviano, da oposição, o grito ‘fora FHC’, toda vez que se anuncia uma queda na popularidade do presidente. Começa-se a falar logo em impeachment e outras formas de tirá-lo do cargo. Essa atitude é uma faca de dois gumes. Se funcionasse, hoje, contra o governo, com mais força funcionaria contra a oposição, caso ela viesse a ser governo. Grande seria a vulnerabilidade a esse grito, somente para exemplificar, de um eventual governo de Lula.”
O alarido voltou, mas com o sinal invertido. Em vez de “fora”, tentativa de golpe por quebra de mandato, o que se ouve nestes dias é “fica”, tentativa por colagem de mandatos. Entenda-se bem, porém. O grito parte, pelo menos o ostensivo, de figuras inexpressivas da política brasileira, mas não deixa de ter repercussão, sintoma claro da existência de ocultas vozes de apoio, em silêncio por enquanto, das quais as audíveis são o reflexo. Mas ele não deixa, também, de refletir, por contraste, a maturidade institucional alcançada pelo país, como se percebe pela reação negativa à ideia de parte de amplos setores da sociedade. Já não existe no Brasil ambiente de aceitação do caos institucional que seria um governo cuja continuidade dependesse de pesquisas de opinião. Governo Ibópico, vamos dizer.
Devemos ter em mente – repito o que já disse em outras ocasiões – a inafastável impossibilidade de governar-se com base em pesquisas de opinião, ante o volátil e adúltero humor do eleitorado. Este avalia o desempenho dos governos, em primeiro lugar, com base na economia. Grosso modo, se esta vai bem, o governo é bem avaliado. Se vai mal, dá-se o inverso. Aos olhos do eleitor, existe uma associação, nem sempre de fato existente, entre governo e situação da economia. Quem poderá garantir que a popularidade do atual governo não irá cair quando todos os efeitos da crise se fizerem sentir? Se for esta a situação em futuro próximo, seria o caso de gritar “fora Lula”? De removê-lo do poder por meio de um golpe de Estado?
Franklin Roosevelt foi eleito para quatro mandatos presidenciais sucessivos. Poderia obter outros, sem limite. Morreu no exercício do quarto, tendo governado de 1933 a 1945.. Depois disso, a Emenda 22 à Constituição dos Estados Unidos limitou a reeleição a apenas uma. Na Venezuela, vemos Chávez tentar impor o caminho do continuísmo e, mais à frente, ditadura. Qual desses exemplos queremos seguir?
Grito, só um: fora o “fica”.
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