Democracia em excesso

Jornal O Estado do Maranhão
É fácil dizer que existe democracia em países ditatoriais quando não se mora lá ou quando se é presidente de outro, onde ela se impôs. Muitos que não moravam na União Soviética, mas tinham imensa admiração por Stálin e seu regime, eram a favor da ditadura do proletariado, cuja existência era justificada como forma superior organização política, mas não a suportariam, com certeza, como muitos não suportaram, residir na antiga URSS. No Brasil, eram, claro, contra a pluralidade de partidos políticos, a liberdade de imprensa, os direitos individuais, contra tudo, enfim, que lembrasse a “democracia burguesa”, pois tinham a esperança de, no futuro, o partido deles se tornar o único. Não sendo isso possível, se contentavam em aproveitar as desprezíveis liberdades de que gozavam na época, a fim de planejar a ditadura popular a ser dirigida pelos camaradas mais espertos, sem essa chatice de dar satisfações à sociedade.
É de se lamentar que o presidente Lula, incansável e duro crítico da ditadura brasileira quando líder metalúrgico em São Paulo, saia em defesa do caudilho Hugo Chávez, que acaba de anunciar a implementação de um plano de desenvolvimento de energia nuclear, depois de o rei da Espanha mandar o perigoso falastrão venezuelano, que aos poucos encaminha a Venezuela em direção da ditadura pessoal, sem disfarçá-la, sequer, com a capa ideológica da ditadura do proletariado, calar a boca em reunião da 17ª Cúpula Ibero-Americana. Não é a primeira vez. Há meses, Lula invocara, com o fim de justificar medida arbitrária do venezuelano, pretensa aderência à legislação local do decreto de Chávez de fechamento da RCTV, a maior rede de televisão privada daquele país. Esqueceu, ou fingiu não saber, ou não sabe, mesmo, das façanhas de Hitler, para ficar no exemplo mais conhecido. O alemão também agiu dentro da lei, quando se tornou chefe de governo, e seria reeleito quantas vezes quisesse, como o venezuelano quer agora. Alguém teria a coragem de dizer que a Alemanha era uma sociedade livre nos tempos de Hitler? Desejará nosso presidente algo semelhante no Brasil?
Mais lamentável do que a defesa da esdrúxula democracia venezuelana foi a confusão feita por Lula entre presidencialismo e parlamentarismo. Ora, se ninguém reclamou, como ele disse, do longo tempo de governo de Margareth Thatcher, do Reino Unido, e de Felipe Gonzales, da Espanha, é porque no parlamentarismo governa quem for majoritário no Parlamento. O primeiro ministro é apenas o eleito ou aprovado pela maioria, com o objetivo de exercer as funções de chefe do governo. Ele permanecerá nesta condição enquanto seu partido for majoritário nas sucessivas eleições, como ocorreu naqueles dois países. Caso contrário, passará suas funções à nova liderança da, até aquele momento, oposição. Não é mesmo caso de reclamação – britânicos e espanhóis não reclamaram –, pois essa é a regra do jogo.
No presidencialismo é diferente. O presidente, eleito em votação direta, e não pelo Congresso, poderá se achar em minoria no Legislativo, mas não será obrigado a deixar o governo, devendo cumprir mandato fixo até o fim. Nesse sistema, de um modo geral, é permitida apenas uma reeleição. Os Estados Unidos, que permitiam a reeleição por sucessivos períodos, limitou-a, com a 22ª Emenda, a apenas uma, depois dos quatro mandatos de Franklin Roosevelt.
Pois Chávez manipulou as regras e mudou-as, aproveitando-se da infeliz decisão da oposição de se abster de participar das últimas eleições para o Congresso, dando vantagem ao governo. Agora poderá se eleger quantas vezes quiser, se a mudança for aprovada em referendo, tornando-se presidente eterno da Venezuela. Por excesso de democracia, conforme a bem informada e moderna análise de Lula.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Vida kafkiana

Lira de um anjo

Camarilha dos qautro