Justa homenagem

Jornal O Estado do Maranhão

Em casa, vindo da Assembléia Legislativa do Estado, onde assisti à solenidade de entrega do título de cidadão maranhense ao professor Raimundo Medeiros Lobato, pus-me a recordar meus tempos de aluno do colégio dos irmãos maristas de São Luís, quando ele, como membro da irmandade de origem francesa, fundada por Marcelino Champagnat, foi diretor da escola, de 1965 a 1970, tendo chegado aqui em 1964.
Durante toda minha vida de estudante, eu freqüentei escolas católicas ou ligadas ao catolicismo em alguma época: a Escola Santa Terezinha, no Monte Castelo, das irmãs Valois, a Faculdade de Economia do Maranhão, que depois faria parte da Universidade Federal do Maranhão que fora em sua origem uma instituição católica, e a Universidade de Notre Dame, em Indiana, Estados Unidos, considerada a segunda melhor universidade católica dos Estados Unidos, onde fiz mestrado e doutorado em economia.
No ano de minha ida para os maristas as regras de procedimento eram ainda bastante rígidas, contudo em processo de mudança, por causa do Concílio Vaticano II, então em seu início. Havia a obrigação de ir com certa freqüência à missa do padre Paulo Sampaio, em latim, na capela, e de rezar-se um rosário completo diariamente antes das aulas. Dessas exigências ninguém poderia escapar, ainda que alegasse doença grave na família, a morte de parente próximo ou um simples dedão do pé arranhado numa pelada no dia anterior.
O latim dava um tom de elevação e um ar de mistério às palavras do celebrante e à liturgia, como deveria ser em todas as religiões, pois palavras e gestos misteriosos, afastados da vulgaridade da vida cotidiana, são partes da própria essência da atitude religiosa. Mas, não sei se tudo isso serviu para salvar a alma de algum jovem da época, se por acaso temos mesmo alma, desse tipo que a crença comum imagina ir para o céu ou o inferno, e caso ela tenha mesmo salvação ou condenação.
Notas ruins ou mal comportamento em classe ou fora dela, nas dependências do colégio, eram motivos não só de convocação dos pais à escola, com o fim de conversar com o irmão responsável pela turma, chamado de titular, como de proibição do esperado jogo de futebol aos sábados. A disciplina não fez mal a ninguém e ajudou muita gente.
Um dia, quando já estávamos no antigo curso científico, apareceu um novo irmão, um homem vindo de uma terra distante, que sabíamos ser no Pará, mas que, mesmo assim, era como se fosse em lugar nenhum, algo também misterioso, especial em sua categoria de maior ilha fluvial do Brasil, Marajó, formada pelos rios Amazonas e Tocantins e o oceano Atlântico. Vinha para ensinar física e ser diretor, e tinha a tarefa de modernizar o ensino e soprar novos ares na nossa educação, depois de fazer cursos em Roma.
Cumpriu exemplarmente sua missão educacional, tendo tido papel importante na criação da TV educativa, na implantação dos inovadores Ginásios Bandeirantes e de centros tecnológicos no Estado. Acabou ficando por aqui, apaixonando-se pela terra e por sua mulher, Nazaré, constituindo família depois de deixar a ordem, porém não a religião de seu berço. Os valores morais que transmitiu iriam servir de apoio a seus ex-alunos, como eu, independentemente da fé profunda, ou não, de cada um, e até de sua ausência, ou talvez por causa dessa falta.
Durante muitos anos eu não encontrava jeito de não chamá-lo “irmão” Lobato, o único professor daquele colégio que me pôs de castigo, já não me lembro por que, logo eu um rapaz sempre bem comportado. Devo ter saído do padrão naquele dia. Agora o professor Lobato, como o chamo hoje, é maranhense formalmente, sendo-o de coração há muito tempo. É um título merecido, que honra o senso de justiça da Assembléia Legislativa do Estado e dos maranhenses nascidos aqui.

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